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19 de Abril de 2024
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    Juiz de Campinas autoriza conversão de união estável homoafetiva em casamento civil

    MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

    PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CAMPINAS

    HABLITAÇÃO DE CASAMENTO

    REQUERENTES: R. L. H e L. C. H

    (Oficial de Registro Civil do 2º Subdistrito �- Campinas)

    MM. Juiz: I �- Trata-se de pedido de habilitação de casamento de R. L. H e L. C. H , ambos solteiros com 46 anos de idade e do mesmo sexo.

    II �- IMPUGNO a presente habilitação.

    O Código Civil Brasileiro ainda não permite o casamento civil de pessoas do mesmo sexo.

    Nesse sentido dispõem expressamente os arts. 1514, 1517 e 1565 do referido estatuto, ao frisarem que o casamento é entre homem e mulher.

    Nem se diga que o S.T.F., no recente e festejado julgamento da APDF 132-RJ, consagrou o “casamento” de pessoas do mesmo sexo. Naquele r. Julgado a Suprema Corte somente reconheceu a união estável de pessoas do mesmo sexo, dando ao art. 1723 do Código Civil interpretação conforme a Constituição da República.

    Acontece que a mesma Carta Magna, no art. 226, § 5º, reza que “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

    Logo, no meu entendimento, o direito à união pública, contínua e duradora de pessoas de igual sexo como “entidade familiar” foi reconhecido pela jurisprudência, tornando-se realidade no universo jurídico; mas casamento civil continua a ser possível somente entre homem e mulher.

    De se acrescentar que no presente caso os requerentes não pedem a conversão da união estável, noticiada no documento de fls. 05, em casamento, com base no art. 1726 do Código Civil; mas somente a simples habilitação de casamento!

    III- Pelo exposto, OPINO pelo indeferimento do presente pedido de habilitação de casamento.

    Campinas, 05 de dezembro de 2011.

    ANGELO SANTOS DE CARVALHARES

    PROMOTOR DE JUSTIÇA

    RECEBIMENTO E CONCLUSÃO

    Em 06 de dezembro de 2011, recebi este autos com o r. Parecer e os faço conclusos ao Meritíssimo Juiz Corregedor Permanente desta.

    Eu, Oficial ou Preposto, subscrevi.

    Rita Izabel R. de Sá e Oliveira

    Escrevente Autorizada

    Em separado

    Cps, 13/12/2011

    Ricardo Sevalho Gonçalves

    Juiz de Direito

    PODER JUDICIÁRIO

    SÃO PAULO

    Comarca de Campinas

    Juízo de Direito da 3º Vara da Família e das Sucessões

    Corregedoria Permanente do Registro Civil das Pessoas Naturais do 2º Subdistrito de Campinas

    Habilitação para Conversão de União Estável Homoafetiva em Casamento 1327/11

    Vistos.

    R. L. H e L. C. H, ambos do sexo masculino, requereram habilitação para conversão de união estável homoafetiva em casamento.

    Alegam serem solteiros, não serem parentes em grau proibido por lei e que inexistem impedimentos para o seu casamento. Pretendem ver convertida em casamento a união estável que afirmam manter. Foram juntados os documentos exigidos em lei e publicados os proclamas.

    O Ministério Público impugnou a habilitação argumentando, em suma, que o Código Civil brasileiro não admite o casamento civil de pessoas do mesmo sexo. Aduz ainda que o STF, em recente decisão, somente reconheceu a união estável de pessoas do mesmo sexo, interpretando o artigo 1723 do Código Civil, mas não admitiu o casamento entre elas.

    Aduziu ainda que os requerentes teriam se limitado a pedir habilitação para casamento, sem pedir conversão da união estável noticiada no documento de fls. 05.

    Vieram conclusos.

    RELATEI. DECIDO.

    Ao contrário do sustentado pelo Dr. Promotor de Justiça, os requerentes efetivamente requereram, a fls. 02, que a sua união estável seja convertida em casamento, não se tratando, pois, de pleito de habilitação de casamento a ser celebrado sem prévia união estável, mas de efetivo pedido de conversão da união estável em casamento.

    Eles comprovaram a união estável mantida há treze anos, por via da escritura declaratória de fls. 05.

    O artigo 226 da Constituição da República diz:

    “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º. O casamento é civil e gratuita a sua celebração. § 2º. O casamento religioso tem efeito civil, na forma da lei. § 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

    § 5º. Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”

    (…)

    Em que pese a letra do dispositivo constitucional, em especial do § 3º, que parece reconhecer como entidade familiar apenas a união estável entre o homem e a mulher, é certo que o STF se posicionou favoravelmente à existência, no sistema jurídico brasileiro, da união estável entre pessoas do mesmo sexo, no histórico julgamento das ADI 4277 e ADPF 132-RJ, assim resumido no site do STF:

    “O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão ´família´, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por ´intimidade e vida privada´ (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da CF de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do STF para manter, interpretativamente, o Texto agno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. União estável. Normação constitucional referida a homem e mulher, referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia ´entidade familiar´, não pretendeu diferenciá-la da ´família´. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado ´entidade familiar´ como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do § 2º do art. da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem ´do regime e dos princípios por ela adotados´, (…). (…) Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do CC, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de ´interpretação conforme à Constituição´. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva” (ADI 4.277 e ADPF 132 , Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 5-5-2011, Plenário, DJE de 14-10-2011.) No mesmo sentido: RE 477.554-AgR, Rel Min. Celso de Mello, julgamento em 16-8-2011, Segunda Turma, DJE de 26-8-2011.

    E, uma vez admitida pelo STF a união estável homoafetiva, nada impede que ela seja convertida em casamento, já que o próprio parágrafo terceiro do artigo 226 determina que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento.

    Há precedentes em primeiro grau que admitiram a referida conversão.

    Dentre eles, merece transcrição, pela clareza da sua articulação e profundidade do estudo ali exposto, a sentença do eminente Juiz de Direito de Jacareí, Fernando Henrique Pinto, que analisou por completo a questão:

    Vistos.

    L. A. de R. M e J. S. S de S., ambos do sexo masculino , demais qualificações nos autos, protocolaram pedido de conversão estável em casamento.

    Instruíram, o pedido com escritura pública lavrada em 17/05/2011, perante o 1º Tabelião de Notas e de Protestos de letras e Títulos de Jacareí/SP (livro nº. 705, fls. 017), onde declararam viver em união estável há 8 (oito) anos.

    Foi publicado edital e cumpridas todas as formalidades legais para habilitação a casamento, não havendo impugnações.

    O pedido foi instruído com declarações de duas testemunhas, no sentido de que os requerentes “mantem convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

    O Ministério Público ofertou parecer favorável ao pedido.

    É o relatório do necessário. Fundamento e decido.

    Preliminarmente, observa-se que, conforme pedido expresso dos autores, os mesmos pretendem a conversão de alegada união estável em casamento , como permite e prevê o art. 226, § 3º, parte final, da Constituição Federal, e o art. 1.726 do Código Civil.

    Regulamentando tais dispositivos constitucionais e legais, a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, em suas Normas de Serviço (Tomo II, Capítulo XVII, Seção V, Subseção IV, art. 135), assim disciplinou o procedimento de conversão da união estável em casamento:

    “87. A conversão da união estável em casamento deverá ser requerida pelos conviventes perante o Oficial do registro Civil das Pessoas Naturais de seu domicílio. (Nota 2: Prov. CGJ 25/2005).

    87.1. Recebido o requerimento, será iniciado o processo de habilitação previsto nos itens 52 a 74 deste capítulo, devendo constar dos editais que se trata da conversão de união estável em casamento. (Nota 3: Prov. CGJ 25/2005).

    87.2. Decorrido o prazo legal do edital, os autos serão encaminhados ao Juiz Corregedor Permanente, salvo se este houver editado portaria nos moldes previstos no item 66 supra. (nota 4 Provs. CGJ 25/2005 e 14/2006).

    87.3. Estando em termos o pedido, será lavrado o assento da conversão da união estável em casamento, independente de qualquer solenidade, prescindindo o alto da celebração do matrimônio. (Nota 5: Provs. CGJ 25/2006 e 14/2006).

    87.4. O assento da conversão da união estável em casamento será lavrado no livro “B”, exarando-se o determinado no item 81 deste Capítulo, sem a indicação da data da celebração, do nome e assinatura do presidente do ato, dos conviventes e das testemunhas, cujos espaços próprios deverão ser inutilizados, anotando-se no respectivo termo que se trata de conversão de união estável em casamento (Nota 5: Prov. CGJ 25/2005).

    BLOCO DE ATUALIZAÇÃO Nº 28 �- CAP. XVII �- 31

    87.5. A conversão da união estável dependerá da superação dos impedimentos legais para o casamento, sujeitando-se à adoção do regime matrimonial de bens, na forma e segundo os preceitos da lei civil (Nota 1: Prov. CGJ 25/2005).

    87.6. Não constará do assento de casamento convertido a partir da união estável, em nenhuma hipótese, a data do início, período ou duração desta. (Nota 2: Prov. CGJ 25/2005)”.

    Resumindo-se, verifica-se que o casamento civil tradicional difere do casamento por conversão de união estável apenas pela substituição do ato solene de celebração , presidido pelo “juiz de paz” , pela homologação realizada pelo Juiz de Direito responsável pela Corregedoria Permanente do Registro Civil das Pessoas Naturais da comarca.

    No mérito, cumpridas todas as formalidades legais, a questão que se coloca para análise é a possibilidade ou não de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o que se passa a apreciar.

    O maior e mais repetido princípio da Constituição da Republica Federativa do Brasil é o da igualdade .

    A mesma constituição elegeu a “ dignidade da pessoa humana” como um de seus “fundamentos” (art. 1º. Inciso III), e declarou que o Brasil tem como “adjetivos fundamentais” a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária” , bem como “promover o bem de todos, SEM PRECONCEITOS de origem, raça, SEXO , cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, incisos I e VI).

    Também determina a Constituição Federal que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” e que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (art. 5º, inciso I).

    Mais à frente, no Título “Da Ordem Social”, a Lei Maior afirma que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do estado” (art. 226, caput).

    Sobre casamento , a Constituição Federal dispõe que o mesmo “ é civil e gratuita a celebração” (art. 226, § 1º), acrescentando que “ o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei” (art. 226, § 1º), e que o casamento “pode ser dissolvido pelo divórcio” (art. 226, § 6º, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 66, de 13/07/2010).

    A Constituição Federal também declara que “para efeito da proteção do estado, é reconhecida a união estável (…) como entidade familiar, DEVENDO A LEI FACILITAR SUA CONVERSÃO EM CASAMENTO” , e que “entende-se também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (art. 226, §§ 3º e 4º).

    Em harmonia com o princípio da igualdade , nossa lei Maior enfatiza que “ os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher” (art. 226, § 5º).

    Aqui cabe abrir parêntesis para alertar que tal dispositivo não necessariamente declara que casamento existe apenas entre homem e mulher, até porque “ sociedade conjugal ” não é “ casamento ”, sendo certo que a primeira sempre pôde ser dissolvida pela “ separação ” (de fato, judicial e mais recentemente também extrajudicial), e o segundo somente é dissolvido pelo divórcio ”.

    Contudo, aparentemente rompendo todo esse contexto de ênfase no princípio da igualdade, a Constituição da Republica Federativa do Brasil, ao mencionar a união estável em seu art. 226 § 3º, assim se pronunciou: “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar” (226 § 3º).

    Mais de duas décadas passadas desde 05/10/1988, quando foi promulgada a Constituição da Republica Federativa do Brasil, e já se ingressando na segunda década do século XXI, é público e notório que milhares de pessoas do mesmo sexo (homens e homens; mulheres e mulheres), compartilhem a vida juntos como se casados fossem .

    A ausência de respaldo jurídico a tal realidade social causou inúmeros prejuízos e injustiças, desde o não reconhecimento do direito a secessão, passando pela ausência da presunção legal de esforço comum no patrimônio constituído, até a ausência de direitos sociais, como a pensão previdenciária por nome.

    Nesse contexto, tramitava perante o Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental �- ADF nº. 178 (conhecida como a Ação Direta de Inconstitucionalidade �- ADI nº. 4277) , ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, objetivando a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pedia-se, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.

    Também estava em trâmite a ADPF nº. 132 , onde o Estado do Rio de Janeiro alegava que o não reconhecimento da união homoafetiva contrariava preceitos fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da Constituição Federal, e pediu que o STF aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro.

    Foi nesse contexto que no dia 05 de maio de 2011 , o Supremo Tribunal Federal , no julgamento de tais ações, tendo como relator o Exmo. Ministro Ayres Britto, reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, dando interpretação conforme a Constituição Federal, para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

    Na ocasião, o Exmo. Ministro Ayres Britto foi seguido pelos Exmos. Ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Março Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como Exma. Ministras Cármen Lúcia Antunes da Rocha e Ellen Gracie �- decorrendo votação unânime dos presentes.

    Tal julgamento, nos termos do art. 102, § 2º, da Constituição Federal, possui “eficácia contra todos e feito vinculante , relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

    No caso concreto, aplica-se a conhecida fórmula jurídica romana, segundo a qual “ onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito” (“ubi eadem ratio, ibi eadem jus”) . Desta forma, os fundamentos de tal julgamento, ainda que sem o dito efeito vinculante, certamente são aplicáveis ao instituto de direito civil denominado casamento , inclusive ao mencionado art. 226, § 5º, da Constituição Federal �- o que apenas não foi declarado no mencionado precedente histórico do STF, provavelmente porque não era objeto dos pedidos das ações em análise.

    Os prováveis entraves a tal entendimento podem advir de discriminação e/ou de convicções religiosas.

    Mas o estado Brasileiro, do qual o Judiciário é um dos Poderes, repudia constitucionalmente a discriminação e é laico , ou seja, não vinculado a qualquer religião ou organização religiosa.

    É bom e necessário que assim seja, pois alguns dogmas ou orientações religiosas muitas vezes se chocam com princípios e garantias da Constituição da Republica Federativa do Brasil.

    A discriminação (ou preconceito) contra homossexualidade decorre normalmente de equívoco sobre a origem “psíquica” do homossexualismo, e de dogmas ou orientações religiosas .

    O equívoco de origem “psíquica” é a crença que o homossexualismo e suas variantes (transexualismo etc.) ou a união homoafetiva constituem simples opção sexual .

    Tal premissa parece equivocada, porque o fenômeno pelo qual um homem ou uma mulher se sente atraído (a) por essa pessoa do mesmo sexo, a ponto às vezes de repudiar contato íntimo com pessoas do sexo oposto, não se mostra como uma opção . Tudo indica tratar-se de uma característica individual de determinados seres humanos , tão independente da vontade quanto a cor do cabelo, da pelé, o caráter, as aptidões etc.

    De fato, se no mundo ainda vige forte preconceito contra tais pessoas, e se as mesmas t~em de passar por sofrimentos internos, familiares e sociais para se reconhecerem para elas próprias e publicamente com homossexuais �- às vezes pagando com a própria vida �- parece que, se pudessem escolher, optariam pela conduta socialmente mais aceita e tida como “normal”.

    O dogma ou orientação religiosa que se forma mais marcante se opõe ao casamento entre pessoas do mesmo sexo é a colocação da relação sexual procriadora como principal elemento ou requisito essencial do casamento .

    Ocorre que o motivo maior de uma união humana é �- ou deveria ser �- o Amor , até porque este é pregado pela maioria das religiões, principalmente as cristãs, como o valor e a virtude máxima e fundamental .

    Fosse de outra forma, muitas religiões não poderiam aprovar casamentos entre pessoas de sexos opostos que não podem ter filhos. E se assim agem, aprecem afrontar a Lei Cristã do Amor, e prejudicam a formação da entidade familiar ou família , que é a base da sociedade .

    Por outro enfoque, muitos se preocupam com o potencial envolvimento de crianças ou adolescentes na entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo. Mas, se esquecem que a falta de planejamento familiar, da qual decorre a geração de crianças sem condições mínimas de sustento e educação, bem como atos abomináveis, como por exemplo, a remessa de recém-nascidos em latas de lixo ou o assassinato dos próprios filhos, são diariamente protagonizadas por “casais” de sexos opostos ditos “normais” e/ou por pessoas heterossexuais.

    O Brasil, entre outras conhecidas mazelas, é o palco da falência da segurança pública, das fronteiras sem controle, da disseminação descontrolada das drogas, da endêmica corrupção, e possui a maior carga tributária, a pior distribuição dos tributos arrecadados e o trânsito que mais mata do planeta Terra.

    Assim, pode-se afirmar que no Brasil há situações de fato e de direito muito mais graves para se preocupar, que com a vida de dois seres humanos desejosos de paz e felicidade ao seu modo, sem infringir direitos de ninguém.

    Finalmente, cabe anotar que no último dia 17 de junho de 2011, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução histórica destinada a promover a igualdade dos seres humanos, sem distinção de orientação sexual. A resolução, que teve aprovação do Brasil , embora sem ações afirmativas, dispõe que “ todos os seres humanos nascem livres e iguais no que diz respeito a sua dignidade e cada um pode se beneficiar do conjunto de direitos e liberdades sem nenhuma distinção ”.

    Por todo o exposto, HOMOLOGO a disposição de vontades declarada pelos requerentes do presente procedimento, para CONVERTER em CASAMENTO, pelo regime escolhido da comunhão parcial de bens , a união estável dos mesmos �- os quais, por força deste casamento, passam a se chamar respectivamente “L. A. R. S. M” e J. S. S. M”.

    Tratando-se esta sentença de ato judicial que substitui a celebração, a mesma tem efeitos imediatos. Assim, Lavre-se o registro de casamento e providencie-se o necessário às averbações nos registros dos nascimentos das partes.

    No mais, nada sendo requerido em 30 (trinta) dias, arquivem-se os autos.

    P.R.I . Ciência ao Ministério Público.

    Jacareí/SP, 27 de junho de 2011.

    Fernando Henrique Pinto.

    Juiz de Direito

    A Constituição estabelece que a família é a base da sociedade, estabelecendo que é formada pelo casamento e pela união estável. Não se refere, no que diz respeito ao casamento, ao sexo dos nubentes, mas o faz quando refere à união estável, dizendo que ela existe entre o homem e a mulher.

    Entretanto, o STF interpretou o dispositivo estabelecendo que a união pode ser também entre parceiros do mesmo sexo.

    O Código Civil define o casamento como sendo a instituição que estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges (art. 1511). Embora em tal dispositivo a lei não se refira ao sexo dos contraentes, no artigo 1514, o CC estabelece que o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manisfestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculos conjugal e o juiz os declara casados (art. 1514).

    Esse último dispositivo parece, portanto, dar a entender que o casamento deve ser sempre entre pessoas de sexos diferentes (homem e mulher).

    Mas o fato é que, tendo o STF interpretado a CF para estabelecer que ela, quando diz que a união estável é entre o homem e a mulher, significa em verdade que a união estável é entre duas pessoas, independente de serem do mesmo sexo ou de sexos diferentes, é razoável que se aplique o mesmo raciocínio ao casamento, nos moldes explicitados na sentença mais acima transcrita, admitindo-se a conversão em casamento da união estável homoafetiva, do mesmo modo que se admite a conversão em casamento da união estável heteroafetiva.

    Tal raciocínio garante a observância da isonomia entre os casais hetero e homoafetivos e a igualdade entre todos os cidadãos brasileiros no que diz respeito ao direito de formar família, independente de orientação sexual, que é em última análise o que o STF explicitou como a interpretação prevalente da Constituição na sua memorável decisão.

    Melhor seria, obviamente, que o legislador, tanto o constitucional como o infra-constitucional, cuidasse da questão com a devida clareza, retirando a insegurança que a controvérsia está trazendo ao seio da sociedade. Na falta da ação legislativa, contudo, o Poder Judiciário não se escusa de deliberar e, quando a mais alta corte do país se posiciona em determinado sentido, é preciso dar cumprimento a tal superior interpretação, conferindo-se segurança jurídica aos cidadãos brasileiros de todas as orientações sexuais.

    Pelo exposto, DEFIRO a habilitação dos requerentes, homologando-lhes a manifestação de vontade para converter em casamento, pelo regime por eles escolhido da comunhão parcial de bens, a união estável dos mesmos, continuando ambos a se chamar respectivamente R. L. H e L. C. H., conforme sua expressa opção no requerimento inicial.

    Esta sentença substitui a celebração e, portanto, tem efeitos imediatos. Lavre-se o registro de casamento e façam-se as anotações e comunicações necessárias nos registros dos nascimentos das partes. P.R.I.

    Campinas, 13 de dezembro de 2011.

    RICARDO SEVALHO GONÇALVES

    JUIZ DE DIREITO

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