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24 de Abril de 2024
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    Jurisprudência TJ-SP - Serviços notariais e de registro - Servidora admitida após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e antes da edição da Lei nº 8.935/94

    EMENTA

    SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO - Servidora admitida após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e antes da edição da Lei nº 8.935/94 �- Pretensão à obtenção da nulidade do ato de dispensa imotivada e reintegração no cargo, sob argumentação de que fazia jus à estabilidade anômala, e não poderia ter sido demitida imotivadamente e sem prévio processo administrativo - Descabimento - As Serventias Extrajudiciais, no exato momento em passaram a ser administradas em caráter privado, por força do artigo 236 da Constituição Federal, romperam com o regime estatutário concernente aos seus servidores - O artigo 236 da Constituição Federal, ao outorgar à administração privada o exercício dos serviços notariais e de registro, vedou, a partir de sua vigência, a seleção e recrutamento de servidores extrajudiciais sob regime diverso do estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - O fato da autora ter sido admitida sob a égide de um regime jurídico híbrido ou especial, porque anterior à edição da Lei nº 8.935/94, não lhe conferia estabilidade no cargo, seja por força do já mencionado artigo 236 da CF, seja por força do artigo 41 da Lei Maior, que atribuiu estabilidade somente aos servidores nomeados para cargo público de provimento efetivo em virtude de concurso de prova e títulos - E a circunstância da autora não ter formulado a opção pelo regime celetista, conforme lhe facultava o caput do artigo 48 da Lei nº 8.935/95, em nada altera o deslinde do feito, pois, de acordo com o § 2º de referido dispositivo, o funcionário de investidura em regime especial, que não optasse pela adoção da legislação trabalhista para a disciplina de sua vida funcional, continuaria regido pelas normas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo, in casu, o Provimento CGJ nº 14/91, diploma que intencionalmente excluiu a estabilidade especial e que era prevista na normativa anterior, o Provimento CGJ nº 1/82 �- À autora eram assegurados os direitos previstos na norma que disciplinava seu regime de trabalho, o Provimento nº 14/91 da E. Corregedoria Geral de Justiça do TJSP, e desde que tais direitos não destoassem do sistema escolhido pela própria Constituição para o exercício dos serviços notariais e de registro, qual seja, o regime privado �- Precedentes deste Tribunal - Requerente que recebeu a indenização prevista no item 49.1 do Cap. I do Provimento CGJ nº 14/91, dando integral e irrevogável quitação - Sentença de improcedência mantida - Apelo desprovido. (TJSP - Apelação Cível nº 0014364-27.2008.8.26.0606 �- Suzano - 1ª Câmara de Direito Público - Rel. Des. Renato Nalini - DJ 09.08.2011)

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0014364- 27.2008.8.26.0606, da Comarca de Suzano, em que é apelante MARIA CECILIA DE ABREU sendo apelado OFICIAL DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS E DE INTERDIÇOES E TUTELAS DA COMARCA DE SUZANO.

    ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

    O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores REGINA CAPISTRANO (Presidente) e FRANKLIN NOGUEIRA.

    São Paulo, 26 de julho de 2011.

    RENATO NALINI - Relator.

    RELATÓRIO

    Vistos etc.

    A sentença do Juiz IRINEU FRANCISCO DA SILVA[1] julgou improcedente o pedido formulado na ação ordinária ajuizada por MARIA CECÍLIA DE ABREU contra a OFICIAL DO REGISTRO DE PESSOAS NATURAIS, INTERDIÇÕES E TUTELAS DA COMARCA DE SUZANO, condenando a sucumbente às custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00, observado o artigo 12 da Lei nº 1.060/50.

    Irresignada, apela a autora[2], a sustentar que foi admitida junto ao Registro Civil de Pessoas Naturais de Suzano, aos 07 de maio de 1991, sob a égide das normas expedidas pela Corregedoria Geral de Justiça do TJSP. Alega que após vários anos de exercício, mais precisamente aos 05 de dezembro de 2006, foi surpreendida com aviso prévio indenizado, comunicando seu desligamento sem justa causa, como se fora funcionária contratada pela Consolidação das Leis do Trabalho. Nada obstante, nunca fizera a opção pelo regime celetista, conforme lhe facultava o artigo 48 da Lei Federal nº 8.935/94, e por essa razão, dispondo de estabilidade especial no cargo, não poderia ter sido dispensada sem prévio procedimento administrativo. Diz que a sentença se equivoca ao entender que sua pretensão está pautada na estabilidade conferida aos servidores públicos estaduais, pois seu pedido fundamentou-se na estabilidade especial assegurada pela Lei nº 8.935/94, e pelos Provimentos CGJ nº 01/82, 16/86 e 14/91. Por essas razões, pugna pelo provimento de seu apelo, para que seja declarada a nulidade do ato demissório, com sua reintegração na função e condenação da ré ao pagamento das remunerações devidas desde a data de seu afastamento.

    A ré apresentou contrariedade[3], a aduzir a inépcia do recurso, por suposto descumprimento do artigo 514, inciso III, do Código de Processo Civil; a prescrição da ação, nos termos do artigo , inciso XXIX, da Constituição Federal, e do artigo 11, inciso I, da CLT; e a improcedência do pedido, porquanto inexistente o alegado direito à estabilidade. Manifesta-se, enfim, pelo desprovimento do apelo.

    É uma síntese do necessário.

    VOTO

    Afastam-se as preliminares arguidas pela ré em sua contrariedade.

    Basta uma leitura das razões de apelação para se constatar que autora formula sim pedido de nova decisão, tanto que requer "que este Egrégio Tribunal de Justiça, conheça o presente Recurso de Apelação, dando lhe provimento"[4].

    Depois, a hipótese submete-se à prescrição quinquenal e, mesmo que assim não fosse, inocorreu a alegada prescrição bienal, pois a autora foi demitida em 5 de dezembro de 2006[5], sendo certo que a ação foi proposta aos 19 de novembro de 2008[6].

    Passa-se ao exame do mérito.

    MARIA CECÍLIA DE ABREU ajuizou ação ordinária contra a OFICIAL DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS E DE INTERDIÇÕES E TUTELAS DA COMARCA DE SUZANO, a alegar que em 7 de maio de 1991 foi admitida junto a mencionado Serviço de Registro, para exercer a função de auxiliar, vindo, pouco tempo depois, a ocupar a função de escrevente.

    Afirmou que em 5 de dezembro de 2006 foi demitida sem justa ou prévio processo administrativo, como se houvesse sido contratada sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho, regime esse pelo qual nunca optou.

    Ressaltou ainda ter contribuído para o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo IPESP, e se utilizado do Instituto de Assistência Médica dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo IAMSPE, o que só viria a confirmar sua submissão a Regime Estatutário Especial, e a necessidade de prévio processo administrativo, pois o exercício de mais de 5 anos na função lhe teria assegurado proteção contra a dispensa arbitrária.

    Pugnou, destarte, pela declaração de nulidade do ato demissório, com sua reintegração na função e condenação da ré ao pagamento das remunerações devidas desde a data de seu afastamento.

    O Juízo entendeu que o fato da autora não se sujeitar às regras da CLT não implicava reconhecer ser ela funcionária com direito à estabilidade, e por isso julgou improcedente o pedido.

    E inteira razão lhe assiste.

    Isto porque a Constituição Federal de 1988 trouxe profundas transformações para os Serviços Notariais e de Registros Públicos, fixando-lhes as diretrizes essenciais e os princípios fundamentais norteadores da atividade.

    Prevê a Lei Maior:

    "Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses."

    O texto constitucional começa por designar corretamente o titular da função notarial e de registro: é o notário ou oficial de registro, e não, como vulgarmente se apregoava, oficial maior, escrivão, dono do cartório ou cartorário.

    Depois, trata de ponto sensível e que diz respeito à capacitação daquele que pretende exercer a função: o ingresso na atividade depende de concurso público de provas e títulos.

    Estabelece também limites aos poderes dos titulares e mecanismo de controle externo para assegurar a adequada prestação do serviço: ao Poder Judiciário incumbe a fiscalização dos atos praticados nasServentias.

    E finalmente, dispõe sobre a natureza e o regime jurídico da atividade: os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

    Quer isso dizer que notários e registradores não são servidores públicos. São agentes públicos porque encarregados do exercício de uma função pública - a função tabelioa ou registral - porém, conquanto pertençam ao gênero agentes públicos, não se confundem com os agentes administrativos, que são todas as pessoas vinculadas profissionalmente ao Estado ou às suas autarquias ou fundações, submetidas a uma hierarquia funcional, sob a égide de um regime jurídico único estatutário. São, na verdade, agentes delegados, ou seja, particulares que executam um serviço público em caráter privado, em nome próprio e por sua conta e risco.

    Nesse sentido, a lição de HELY LOPES MEIRELLES: "Agentes delegados são particulares que recebem a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob permanente fiscalização do delegante. Esses agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado; todavia, constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público. Nessa categoria se encontram os concessionários e permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de ofícios ou cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos, e demais pessoas que recebem delegação para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse coletivo." [7]

    Ora, outorgar os Serviços Notariais e de Registro à administração privada significa atribuir aos seus titulares independência e autonomia na gestão das atividades. Significa outorgar ao tabelião e ao registrador a prerrogativa de estabelecer os métodos e rotinas para a prestação do serviço; a decisão sobre os espaços locados, instalações, e mobiliário que guarnece a Serventia; a permissão de entabular avenças com fornecedores de insumos e de segurança patrimonial; e, no que concerne especificamente ao caso sub examine, a faculdade de contratar livremente seus colaboradores, de acordo com as normas que regem relações privadas de trabalho, quais sejam, as normas previstas na Consolidação das Leis de Trabalho.

    As Serventias Extrajudiciais, no exato momento em passaram a ser administradas em caráter privado, por força do artigo 236 da Constituição Federal, romperam com o regime estatutário concernente aos seus servidores, situação essa expressamente prevista no caput do artigo 20 da Lei Federal nº 8.935/94 - "Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho." (g.n.)

    Em outras palavras: a norma constitucional, auto-aplicável, vedou, a partir da vigência da nova ordem fundante, a seleção e recrutamento de servidores extrajudiciais sob regime diverso do estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho.

    E a Lei Federal nº 8.935/94, por sua vez, não trouxe qualquer novidade, apenas explicitou o que já defluia diretamente da Constituição, embora, verdade seja dita, sua edição extemporânea tenha dado ensejo a um regime jurídico funcional híbrido aos servidores extrajudiciais, o que, de qualquer forma, não atribuiu a referidos funcionários a estabilidade própria dos servidores públicos em sentido estrito.

    Neste contexto, e para o caso específico do Estado de São Paulo, é possível identificar-se três regimes jurídicos funcionais distintos a que submetem os servidores ou empregados dos Serviços Notariais e de Registro. O primeiro deles, anterior à promulgação da Constituição Federal de 1988, é o regime jurídico estatutário, estruturado de acordo com a legislação atinente ao funcionalismo público estadual - a Lei nº 10.261/68. O segundo, vigente no período compreendido entre a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a edição da Lei Federal nº 8.935/94, é o regime especial ou híbrido, disciplinado por normas internas deste Tribunal de Justiça - os Provimentos da E. Corregedoria Geral de Justiça. E o terceiro, perfeitamente caracterizado a partir da Lei nº 8.935/94, é o regime jurídico privado, submetido à legislação social a Consolidação das Leis do Trabalho.

    Na espécie, a autora foi admitida para a função de auxiliar junto ao Registro Civil de Pessoas Naturais de Suzano aos 07 de maio de 1991, ou seja, após a promulgação da nova ordem fundante. Não haveria, por essa razão, de ser enquadrada como servidora estatutária, mas sim como servidora submetida a regime especial ou híbrido, sem direito à estabilidade no cargo.

    Se por um lado a requerente não foi contratada nos termos do que dispunha a Consolidação das Leis do Trabalho, embora a providência fosse de rigor, por outro, não poderia fazer jus aos direitos que, por força da Constituição de 1988, são atribuídos com exclusividade aos servidores públicos, até porque, não é demais mencionar, a autora foi contratada sem se submeter a qualquer concurso.

    Essa a leitura que decorre da interpretação do já mencionado artigo 236 da Constituição Federal; da observância do artigo 41, também da Constituição Federal, que atribuiu estabilidade somente aos servidores nomeados para cargo público e provimento efetivo em virtude de concurso de prova e títulos; e da consideração de que o regime estatutário puro é incompatível com as relações laborais decorrentes de vínculos privados, dentre as quais se incluem, à toda evidência, as relações entabuladas entre os registradores ou tabeliães e seus prepostos.

    Nessa quadra, cabe transcrever as percucientes considerações expendidas pelo Exmo. Des. VENÍCIO SALLES em julgamento de caso análogo:

    "Imperativo se considerar que o regime estatutário puro não é juridicamente compatível com relações laborais decorrentes de vínculos privados, na medida que somente pode ser admitido nas relações funcionais mantidas entre o Estado (Administração Direta e Autárquica) e seus servidores, vínculo que somente se instala medianteconcurso público.

    Note-se que a diferenciação constitucional entre" cargoseempregos "(art. 37, inciso I, da CF), decorre de uma separação de funções, pois o texto supremo reservou para os estatutários as atribuições ligadas ao exercício direto ou indireto de atributos de" poder ", mormente aqueles envolvidos na confecção de 'atos' de sentido administrativo, ao passo que para os" empregados ", couberam funções subalternas ou técnicas não ligadas à gestão administrativa.

    Existe toda uma lógica e coerência que envolve a adoção deste sistema, pois o regime público ou estatutário foi erguido como escudo necessário para garantir a independência do servidor (não interferência), assegurando a continuidade do serviço. A garantia da permanência determinada pela estabilidade funcional visa imunizar o servidor público contra os efeitos decorrentes de pressões políticas e hierárquicas, garantia da indispensável isenção para o exercício das funções públicas.

    As garantias decorrentes do regime estatutário representam direito inalienável do cidadão de ser tutelado por autoridades servis unicamente à lei.

    Este escudo ou estas garantias não tem qualquer utilidade, sentido ou necessidade para o serviço extrajudicial que é realizado sob a inteira responsabilidade do DELEGADO. Os servidores extrajudiciais devem se curvar ao comando hierarquizado do delegado. Não ostentam autonomia ou independência.”[8]

    As diferenças se evidenciam, pois as relações laborais erigidas sob a égide do regime privado obedecem a uma lógica diversa.

    Quando a Constituição Federal determinou que os serviços notariais e de registro seriam exercidos em caráter privado, quis com isso asseverar que seus titulares exerceriam a atividade por sua conta e risco, embora adstritos à observância da Lei e das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, e sob a permanente fiscalização do Poder Judiciário.

    Em outras palavras, cabe ao registrador, ou ao tabelião, eleger, de forma autônoma e independente, a melhor forma pela qual vão prestar suas atividades, no que se inclui a escolha de seus colaboradores. Ou ainda, na dicção do artigo 21 da Lei Federal nº 8.935/94 -"O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços."

    E existe uma razão racional isso: é que"Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos."[9]

    Ora, se respondem pelos atos de seus prepostos, e pelo bom desempenho, eficiência, qualidade e celeridade da prestação do serviço público para o qual receberam a delegação, é evidente que devem ter o direito à livre escolha de seu pessoal. O titular do serviço deve ter a liberdade de contratar o profissional que entende capaz e qualificado, no qual confia, seja porque responderá por eventual irregularidade praticada, seja porque deve se conduzir como verdadeiro gestor de esforços e competências individuais na busca da excelência de sua atividade, qual um líder cuja função é provocar e catalisar a sinergia entre os diversos integrantes de uma equipe.

    E se tem a prerrogativa de contratar, deve, observadas as normas da CLT, ter a prerrogativa de dispensar, quando a confiança acaba, o funcionário se desinteressa, ou se avolumam incompatibilidades de visões de trabalho.

    À autora eram assegurados os direitos previstos na norma que disciplinava seu regime de trabalho - o Provimento nº 14/91 da E. Corregedoria Geral deste Tribunal de Justiça -, desde que tais direitos - e isso é importante - não destoassem do sistema escolhido pela própria Constituição para o exercício dos serviços notariais e de registro - o regime privado.

    Basta a leitura dos itens 49/49.4 do Capítulo I de referido Provimento, para se constatar que a dispensa da requerente não estava condicionada a prévio processo administrativo, e tampouco era obstada por alegado direito à estabilidade:

    "49. Os escreventes e os auxiliares poderão ser dispensados pelo serventuário sem declaração de motivo, se contarem menos de 5 (cinco) anos de exercício no cargo, assegurada a indenização correspondente ao aviso prévio e 1 (um) mês de salário por ano de serviço ou fração superior a 6 (seis) meses e 13º (décimo terceiro) salário proporcional.

    49.1. Após 5 (cinco) anos a dispensa poderá ser feita, assegurada a mesma indenização, por motivo de sensível diminuição de renda, comprovada perante o Juiz Corregedor Permanente.

    49.2. Em qualquer hipótese, o desligamento poderá ocorrer em virtude de prática de falta disciplinar, regularmente apurada e reconhecida pelo Juiz Corregedor Permanente.

    49.3. Quando da dispensa, será certificada a inexistência de penalidade, sindicância ou processo administrativo em tramitação.

    49.4. Uma via do instrumento de rescisão de contrato de auxiliar será enviada ao IPESP, pela Corregedoria Geral de Justiça."

    A demonstração cabal de que, mesmo pelas normas internas deste Tribunal, a autora não fazia jus à estabilidade, reside no cotejo do Provimento CGJ nº 14/91 com a versão anterior das “Normas do Pessoal das Serventias Não Oficializadas".

    Dispunham os itens 45/46.1 do Capítulo I do Provimento CGJ nº 1/82:

    "45. Os escreventes e os auxiliares poderão ser dispensados pelo serventuário, sem declaração de motivo, se contarem menos de cinco anos de exercício na serventia, assegurada a indenização correspondente a aviso prévio e um mês de salário por ano de serviço ou fração superior a seis meses.

    45.1. Após cinco anos de efetivo exercício, a dispensa poderá ser feita, assegurada a mesma indenização, por motivo de sensível diminuição de renda, comprovada perante o Juiz Corregedor Permanente.

    45.2. Em qualquer hipótese, a dispensa poderá ocorrer em virtude de justa causa, regularmente apurada e reconhecida pelo mesmo Juiz Corregedor Permanente (Res. nº 2/76, do TJSP, art. 72; Dec.-lei Comp. nº 3, de 27.08.69, art. 233, par. único e 243).

    46 A dispensa que se verificar com fim de obstar ao servidor a aquisição de estabilidade sujeitará o serventuário ao pagamento em dobro da indenização prescrita no item 45 deste Capítulo.

    46.1. Presume-se obstativa à estabilidade a dispensa do servidor que alcançar quatro anos e seis meses na serventia."(g.n.)

    Observe-se que não há apenas omissão do Provimento CGJ nº 14/91 quanto à previsão de estabilidade dos servidores extrajudiciais, mas sim verdadeira extinção de direito. O Provimento CGJ nº 14/91, que disciplinava a vida funcional da autora quando em atividade no RCPN de Suzano, excluiu intencionalmente o direito à estabilidade previsto no regramento anterior, o Provimento CGJ nº 1/82, e assim o fez observando a nova disciplina constitucional e de forma expressa em seu artigo 2º - "Ficam revogadas as disposições em contrário contidas nos provimentos e atos normativos anteriores à edição destas 'Normas do Pessoal das Serventias Não Oficializadas'".

    E o fato da autora não ter formulado a opção pelo regime celetista, conforme lhe facultava o caput do artigo 48 da Lei nº 8.935/95, em nada altera o deslinde do feito, pois, de acordo com o § 2º de referido dispositivo, "Não ocorrendo opção, os escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial continuarão regidos pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo, vedadas novas admissões por qualquer desses regimes, a partir da publicação desta lei".

    A letra da norma é clara. Os funcionários de "investidura estatutária ou em regime especial", que não optassem pela adoção da legislação trabalhista para a disciplina de sua vida funcional, continuariam "regidos pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo".

    A autora, admitida pelo regime especial, continuava vinculada às normas internas editadas por este Tribunal de Justiça, ou seja, o Provimento CGJ nº 14/91. Referido diploma não poderia atribuir, por força da nova ordem constitucional, a estabilidade na função aos servidores extrajudiciais, de forma que mostra-se perfeitamente admissível a dispensa imotivada de referidos servidores. Não há, pois, qualquer fundamento jurídico a dar amparo à pretensão da requerente.

    Reitere-se: os servidores extrajudiciais contratados após a promulgação da Constituição Federal de 1988 não fazem jus à estabilidade no cargo[10]. À autora era assegurada tão-somente uma "indenização correspondente ao aviso prévio e 1 (um) mês de salário por ano de serviço ou fração superior a 6 (seis) meses e 13º (décimo terceiro) salário proporcional", verba que a própria requerente admitiu ter recebido[11], e cuja prova de pagamento está juntada aos autos[12]. Ainda que não se tenha comprovado sensível diminuição de renda da Serventia - e a matéria não restou debatida perante o juízo a quo -, isso não poderia impedir o desligamento da servidora, do contrário, estar-se-ia criando verdadeira hipótese de estabilidade que veda a dispensa imotivada, em clara vulneração à Lei Maior.

    Inadmissível, portanto, após ter aceitado voluntariamente as verbas rescisórias, dado integral e irrevogável quitação[13], passados quase dois anos de sua dispensa, venha a requerente a pleitear sua reintegração no cargo.

    Pondere-se, ademais, que a autora foi demitida pela atual titular do Serviço. Sua reintegração forçada, além de não encontrar embasamento legal, é providência potencialmente conflitiva, pois levaria consigo a semente dos ressentimentos, desavenças e retorsões ao ambiente de trabalho do Registro Civil de Pessoas Naturais de Suzano. Tal situação deve ser evitada, especialmente diante do interesse público envolvido.

    Fica mantida a sentença impugnada.

    Por estes fundamentos, nega-se provimento ao recurso.

    RENATO NALINI - Relator.

    Notas

    [1] Fls. 189/194 dos autos

    [2] Fls. 199/220 dos autos

    [3] Fls. 223/240 dos autos

    [4] Fls. 219 dos autos

    [5] Fls. 145 dos autos

    [6] Fls. 2 dos autos

    [7] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 71

    [8] Apelação Cível nº 288.994-5/5, 12ª Câmara de Direito Público do TJSP, Relator VENÍCIO SALLES, j. 30.07.2008, v.u.

    [9] Artig2222 da Lei Federal n9353535/94

    [10] Nesse sentido, os seguintes precedentes deste Tribunal: Apelação Cível nº 288.994-5/5, 12ª Câmara de Direito Público do TJSP, Relator VENÍCIO SALLES, j. 30.07.2008, v.u.; Apelação Cível nº 397.834-5/6, 4ª Câmara de Direito Público do TJSP, Relator ESCUTARI DE ALMEIDA, j. 05.10.2009, v.u.; Apelação Cível nº 676.660-5/5, 6ª Câmara de Direito Público do TJSP, Relator JOSÉ HABICE, j. 03.11.2008, v.u.

    [11] Fls. 3 dos autos

    [12] Termo de rescisão de contrato de trabalho às fls. 145 dos autos

    [13] Termo de quitação de fls. 146 dos autos

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