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25 de Abril de 2024
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    Artigo - Estado não perde com cessão de herança - Por Luciana Braga Simão

    Com a partilha, cessa o estado de indivisão da herança e o herdeiro passa a ser titular das coisas a ele atribuídas, com efeito retroativo à morte do inventariado. Até então, a parcela da herança transferida ao herdeiro desde a abertura da sucessão, por força da saisine, era expressa em fração ideal no conjunto de bens do monte.[1]

    O herdeiro, após a sentença homologatória da partilha, assume, com efeito retrooperante[2], os bens que lhe tocarem. Atinge-se, desse modo, o estado processual em que cessa o estado pro indiviso da herança.

    Realmente, a universalidade do patrimônio desaparece e os herdeiros, legatários ou inventariantes tornam-se proprietários em sentido mais amplo.[3]

    Transitada em julgado a sentença da partilha, os herdeiros recebem o chamado formal de partilha, documento judicial lavrado pelo escrivão e assinado pelo juiz, em que consta uma reprodução sucinta do processo de inventário.[4] O formal de partilha deve ser transcrito no registro da sede do imóvel, para propiciar dois efeitos, quais sejam, dar publicidade à translação da propriedade, desde a morte do inventariado, ao herdeiro, e conservar a seriação dominial. O herdeiro firma-se proprietário dos bens que recebeu em decorrência da sucessão hereditária causa mortis.

    A translação da propriedade, como acima pontuada, é tributada pelos Estados. Com efeito, a sucessão hereditária causa mortis é fato gerador principal do imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (ITCD).

    Esse tributo também incide sobre a partilha decorrente de ato de última vontade, instituição de usufruto testamentário sobre bens imóveis e sua extinção, por falecimento do usufrutuário e doação e da cessão, renúncia ou desistência de direitos relativos às transmissões de que tratam os incisos anteriores, em favor de pessoa determinada.[5]

    A alíquota do imposto de transmissão causa mortis, já sumulou o Supremo Tribunal Federal[6], é aquela vigente ao tempo da abertura da sucessão, ou seja, da morte do autor da herança. A alíquota do imposto causa mortis varia conforme cada Estado da Federação, no Estado de Mato Grosso ela varia de 2% a 4% a depender do valor da transação[7].

    Inscrito o formal de partilha no registro cartorário competente, cessa o estado de comunhão e o herdeiro-proprietário pode livremente usar, gozar e dispor da coisa que receber, pois esses são direitos inerentes à propriedade.

    Além disso, é facultado ao herdeiro vender, por ato entre vivos oneroso, o imóvel que antes compunha a herança. Essa forma de aquisição da propriedade é tributada pelos municípios.[8]

    Dessa feita, na sucessão hereditária pela morte do autor da herança, incide o imposto causa mortis e, ultimada a partilha, incidirá o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis e dos direitos a eles relativos. O herdeiro convola-se na figura de proprietário pleno do bem que recebeu em herança, podendo até mesmo praticar o ato de disposição da venda.

    Na primeira operação (transmissão dos direitos hereditários causa mortis), o herdeiro é contribuinte do imposto incidente sobre a sucessão causa mortis. Já na transmissão onerosa, por ato inter vivos, da propriedade de bens imóveis é contribuinte o adquirente, erigindo-se o transmitente à qualidade de responsável solidário pelo recolhimento do tributo.

    Assim, o herdeiro, contribuinte do imposto causa mortis, pode, por força da lei, ter de honrar, ainda, o pagamento do tributo em decorrência da transmissão onerosa, por ato inter vivos, da propriedade de bens imóveis, porquanto é responsável solidário do recolhimento desse tributo[9]. Aplicando-se, à hipótese, as alíquotas desses tributos no Estado do Mato Grosso, a operação poderia ser tributada, em sua totalidade, à base de 6%, considerando que a alíquota do ITCD varia de 2% a 4% e a do ITBI representa 2%[10].

    E mais: ainda que se imagine que o imposto sobre a transmissão onerosa, por ato inter vivos, da propriedade de bens imóveis será saldado pelo adquirente, patente a carga tributária imposta sobre o sucessor causa mortis, em razão da elevada alíquota a que está submetido na transmissão de bens e direitos em decorrência da morte do inventariado. A cessão de direitos hereditários representa, então, alternativa à redução do ônus fiscal.

    A cessão de direitos hereditários consiste na alienação que o herdeiro faz de seu direito e ação à herança, figurando o cessionário em seu lugar no inventário e recebendo, na partilha, o quinhão adquirido do herdeiro-cedente ou, ainda, adjudicando os bens da herança.[11]

    Como já se observou, anexado ao inventário o instrumento da cessão, o cessionário torna-se parte legítima para todos os trâmites sequentes do processo, sem que se proceda à retificação do termo de inventariante. Na partilha será contemplado cessionário, tirando-se, em seu nome, o pagamento que caberia ao herdeiro cedente.

    A cessão dos direitos hereditários, quando celebrada de forma onerosa e destinada à transmissão da propriedade de bens imóveis, constitui fato gerador do ITBI. Nesse sentido, Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim:

    Seu fato gerador a transferência de propriedade ou domínio útil, a título oneroso compreende os casos de compra e venda, dação em pagamento, permuta, aquisição por usucapião, cessão de direitos de bens imóveis (inclusive direitos hereditários), partilha diferenciada com reposição de dinheiro referente a imóveis, adjudicação, arrematação, remissão etc.[12]

    O cessionário é o contribuinte do imposto e o cedente ocupa o lugar do responsável solidário pelo recolhimento do tributo devido na operação.

    Finalizada a cessão da herança, o cedente nada mais tem com o monte partível e, principalmente, transfere para o cessionário o ônus da tributação pela sucessão causa mortis. Relembre-se que, anexado ao inventário o instrumento da cessão, o cessionário passa a ocupar o lugar do cedente, tornando-se parte legítima para todos os trâmites sequentes do processo de inventário. Aliás, é salutar consignar, mais uma vez, que, na partilha, será contemplado o cessionário e, em nome deste, é efetuado o pagamento que caberia ao herdeiro-cedente.

    Cite-se a posição firmada, com louvor, por Caio Mário da Silva Pereira:

    Embora os bens, que a compõem, ainda não estejam individualizados e discriminados no quinhão do herdeiro, constitui a herança, em si mesma, um valor patrimonial e, como tal, pode ser transmitido inter vivos. A cessão, gratuita ou onerosa, importa na transmissão de toda a herança ou parte dela, de todo o quinhão do herdeiro, ou parte [...]. E o cessionário assume, em relação aos direitos hereditários a mesma condição jurídica do cedente.[13]

    Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim, analisando a tributação no inventário e partilha, estabelecem exata relação do imposto sobre a transmissão onerosa, por ato inter vivos, da propriedade de bens imóveis. Confira-se:

    Compreende-se na incidência do imposto inter vivos o valor dos imóveis que, na partilha, forem atribuídos ao cônjuge supérstite, a qualquer herdeiro, legatário ou cessionário, acima da respectiva meação ou quinhão. [...] É igualmente tributável a cessão de direitos à sucessão aberta, aí abrangendo as cessões celebradas por escritura pública [...][14]

    Assim, evidente a economia fiscal que a cessão da herança representa para o cedente, especialmente porque este sofrerá, quando muito, a tributação do imposto de transmissão inter vivos. A qualidade de contribuinte do ITCD, pela sucessão causa mortis, é transferida ao cessionário, que passa a ocupar a posição do cedente no processo de inventário.

    Sob essa vertente, anote-se que, o Estado, na hipótese, não perde sua arrecadação fiscal, pois, com a cessão dos direitos hereditários, o ônus tributário é simplesmente transferido do cedente para o cessionário, sem qualquer redução no valor que deve ser recolhido a título de imposto.

    Bibliografia

    DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. (Coleção de direito civil, v. 6).

    MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

    PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. (Coleção de direito civil, v. 6).

    OLIVEIRA, Euclides Benedito de; AMORIM, Sebastião Luiz. Inventários e partilhas: direitos das sucessões. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2003.

    VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. (Coleção de direito civil, v. 7).

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    [1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 221. (Coleção de direito civil, v. 6).

    [2] Expressão utilizada por Caio Mário da Silva Pereira, para dizer que os efeitos da sentença homologatória discriminação dos bens (partilha) retroagem à data do óbito, com abstração do tempo intermédio. Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 221. (Coleção de direito civil, v. 6).

    [3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 282. (Coleção de direito civil, v. 6).

    [4] Caio Mário da Silva Pereira diz que o formal de partilha contém “o termo de inventariante e o título de herdeiros; a avaliação dos bens; o pagamento do quinhão hereditário com a descrição dos bens, a meação das confrontações, a consignação das servidões ativas e passivas, tudo, enfim, que seja de molde a produzir a inteira individuação das coisas; a certidão de pagamento dos impostos; e a sentença final com a referência ao seu trânsito em julgado”. Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 222. (Coleção de direito civil, v. 6).

    [5] O fato gerador do ITCD foi abordado no capítulo 03, supra. A tributação sobre a renúncia da herança em favor de pessoa determinada (renúncia translativa) será estudada no capítulo seguinte.

    [6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 112. O Imposto de Transmissão Causa Mortis é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão. Disponível em:

    [7] Lei78500/2002 regulamentada pelo decreto23011/2009, artigo255.

    [8] O imposto sobre transmissão entre vivos de bens imóveis e dos direitos a eles inerentes tem como fato gerador “a transmissão, inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou por acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como a cessão de direitos à sua aquisição”.Cff. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 11.

    [9] ARTIGO55, DA LEI26633/1989 que regula o ITBI no município de Cuiabá.

    [10] Lei26633/1989, art. 8ºº, alínea c. Regulamenta o Imposto sobre Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis por Natureza ou Acessão Física e de Direitos Reais sobre Imóveis - ITBI Disponível em:

    [11] A respeito, conferir Maria Helena Diniz: “A herança é um valor patrimonial, mesmo que os bens que a constituam ainda não estejam individualizados na quota do herdeiro; daí a possibilidade de sua transmissão por ato inter vivos, independentemente de estar concluído o inventário” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 74, Coleção de direito civil, v. 6).

    [12] OLIVEIRA, Euclides Benedito de; AMORIM, Sebastião Luiz. Inventários e partilhas: direitos das sucessões. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2003, p. 415.

    [13] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 14. (Coleção de direito civil, v. 6).

    [14] OLIVEIRA, Euclides Benedito de; AMORIM, Sebastião Luiz. Inventários e partilhas: direitos das sucessões. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2003, p. 417.

    Autora: Luciana Braga Simão é advogada em Mato Grosso, pós-graduada em Direito Tributário e especialista em Direito Privado.

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