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20 de Abril de 2024
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    Jurisprudência STJ - Direito civil. Família. Ação de declaração de relação avoenga. Busca da ancestralidade. Direito personalíssimo dos netos.

    EMENTA

    Direito civil. Família. Ação de declaração de relação avoenga. Busca da ancestralidade. Direito personalíssimo dos netos. Dignidade da pessoa humana. Legitimidade ativa e possibilidade jurídica do pedido. Peculiaridade. Mãe dos pretensos netos que também postula seu direito de meação dos bens que supostamente seriam herdados pelo marido falecido, porquanto pré-morto o avô. �- Os direitos da personalidade, entre eles o direito ao nome e ao conhecimento da origem genética são inalienáveis, vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e oponíveis erga omnes. - Os netos, assim como os filhos, possuem direito de agir, próprio e personalíssimo, de pleitear declaratória de relação de parentesco em face do avô, ou dos herdeiros se pré-morto aquele, porque o direito ao nome, à identidade e à origem genética estão intimamente ligados ao conceito de dignidade da pessoa humana. - O direito à busca da ancestralidade é personalíssimo e, dessa forma, possui tutela jurídica integral e especial, nos moldes dos arts. e 226, da CF/88. - O art. 1.591 do CC/02, ao regular as relações de parentesco em linha reta, não estipula limitação, dada a sua infinitude, de modo que todas as pessoas oriundas de um tronco ancestral comum, sempre serão consideradas parentes entre si, por mais afastadas que estejam as gerações; dessa forma, uma vez declarada a existência de relação de parentesco na linha reta a partir do segundo grau, esta gerará todos os efeitos que o parentesco em primeiro grau (filiação) faria nascer. �- A pretensão dos netos no sentido de estabelecer, por meio de ação declaratória, a legitimidade e a certeza da existência de relação de parentesco com o avô, não caracteriza hipótese de impossibilidade jurídica do pedido; a questão deve ser analisada na origem, com a amplitude probatória a ela inerente. �- A jurisprudência alemã já abordou o tema, adotando a solução ora defendida. Em julgado proferido em 31/1/1989 e publicado no periódico jurídico NJW (Neue Juristische Woche) 1989, 891, o Tribunal Constitucional Alemão (BVerfG) afirmou que “os direitos da personalidade (Art. 2 Par. e Art. 1º Par.1º da Constituição Alemã) contemplam o direito ao conhecimento da própria origem genética.” - Em hipótese idêntica à presente, analisada pelo Tribunal Superior em Dresden (OLG Dresden) por ocasião de julgamento ocorrido em 14 de agosto de 1998 (autos n.º 22 WF 359/98), restou decidido que “em ação de investigação de paternidade podem os pais biológicos de um homem já falecido serem compelidos à colheita de sangue”. - Essa linha de raciocínio deu origem à reforma legislativa que provocou a edição do § 372a do Código de Processo Civil Alemão (ZPO) em 17 de dezembro de 2008, a seguir reproduzido (tradução livre): “§ 372a Investigações para constatação da origem genética. I. Desde que seja necessário para a constatação da origem genética, qualquer pessoa deve tolerar exames, em especial a coleta de amostra sanguínea, a não ser que o exame não possa ser exigido da pessoa examinada. II. Os §§ 386 a 390 são igualmente aplicáveis. Em caso de repetida e injustificada recusa ao exame médico, poderá ser utilizada a coação, em particular a condução forçada da pessoa a ser examinada.” �- Não procede a alegada ausência de provas, a obstar o pleito deduzido pelos netos, porque ao acolher a preliminar de carência da ação, o TJ/RJ não permitiu que a ação tivesse seguimento, sem o que, não há como produzir provas, porque não chegado o momento processual de fazê-lo. �- Se o pai não propôs ação investigatória quando em vida, a via do processo encontra-se aberta aos seus filhos, a possibilitar o reconhecimento da relação avoenga; exigem-se, certamente, provas hábeis, que deverão ser produzidas ao longo do processo, mas não se pode despojar do solo adequado uma semente que apresenta probabilidades de germinar, lançando mão da negativa de acesso ao Judiciário, no terreno estéril da carência da ação. - O pai, ao falecer sem investigar sua paternidade, deixou a certidão de nascimento de seus descendentes com o espaço destinado ao casal de avós paternos em branco, o que já se mostra suficiente para justificar a pretensão de que seja declarada a relação avoenga e, por consequência, o reconhecimento de toda a linha ancestral paterna, com reflexos no direito de herança. - A preservação da memória dos mortos não pode se sobrepor à tutela dos direitos dos vivos que, ao se depararem com inusitado vácuo no tronco ancestral paterno, vêm, perante o Poder Judiciário, deduzir pleito para que a linha ascendente lacunosa seja devidamente preenchida. �- As relações de família tal como reguladas pelo Direito, ao considerarem a possibilidade de reconhecimento amplo de parentesco na linha reta, ao outorgarem aos descendentes direitos sucessórios na qualidade de herdeiros necessários e resguardando-lhes a legítima e, por fim, ao reconhecerem como família monoparental a comunidade formada pelos pais e seus descendentes, inequivocamente movem-se no sentido de assegurar a possibilidade de que sejam declaradas relações de parentesco pelo Judiciário, para além das hipóteses de filiação. �- Considerada a jurisprudência do STJ no sentido de ampliar a possibilidade de reconhecimento de relações de parentesco, e desde que na origem seja conferida a amplitude probatória que a hipótese requer, há perfeita viabilidade jurídica do pleito deduzido pelos netos, no sentido de verem reconhecida a relação avoenga, afastadas, de rigor, as preliminares de carência da ação por ilegitimidade de parte e impossibilidade jurídica do pedido, sustentadas pelos herdeiros do avô. �- A respeito da mãe dos supostos netos, também parte no processo, e que aguarda possível meação do marido ante a pré-morte do avô dos seus filhos, segue mantida, quanto a ela, de igual modo, a legitimidade ativa e a possibilidade jurídica do pedido, notadamente porque entendimento diverso redundaria em reformatio in pejus. Recurso especial provido. (STJ �- REsp nº 807.849 �- RJ �- 2ª Seção �- Rel. Min. Nancy Andrighi �- DJ 06.08.2010)

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da SEGUNDA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, após o voto da Sra. Ministra Relatora, dando provimento ao recurso especial, no que foi acompanhada pelos Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão e Honildo Amaral de Mello Castro, por maioria, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Vencidos os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Vasco Della Giustina, que negavam provimento ao recurso especial. O Sr. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro fará observação. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (art. 162, § 2º, RISTJ). Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Paulo Furtado. Sustentou, oralmente, a Dra. MIA ALESSANDRA DE SOUZA REIS/RJ, pelos recorridos I. M. D. A. E OUTROS.

    Brasília, 24 de março de 2010 (data do julgamento).

    Ministra Nancy Andrighi �- Relatora

    RELATÓRIO

    Recurso especial interposto por M. S. de O., J. C. S. de O., A. C. S. de O. e L. S. de O., fundamentado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ/RJ.

    Ação (inicial às fls. 26/30): declaratória de relação avoenga, c.c. petição de herança, ajuizada pelos recorrentes, em 1999, na condição, respectivamente, de viúva e filhos de A. de O., em face de J. de S. A. N., I. M. de A. e P. D. A., filhos e herdeiros de A. A. G. A. Aduzem que A. de O. nasceu em 31/8/1946, fruto de relacionamento amoroso mantido entre A. A. G. A. e G. de O., iniciado em 1945. Alegam que ao saber da gravidez de G. de O., A. A. G. A. foi enviado aos Estados Unidos, por se tratar de família de renome na sociedade carioca. Sustentam que, muito embora A. A. G. A. não reconhecesse o filho A. de O., o pai daquele reconhecia este como neto, prestando-lhe toda assistência material necessária. Contudo, após a morte do suposto avô, os auxílios financeiros cessaram, tendo A. de O., por diversas vezes, procurado A. A. G. A., o qual ainda que contrariado, passou a destinar-lhe algum auxílio material. Relatam que em certa ocasião, A. de O. foi orientado a procurar seu possível irmão, J. de S. A. N., que lhe adquiriu um veículo, sob forma de contrato de arrendamento mercantil, sendo que as prestações deveriam ser pagas por A. de O. Afirmam que, “se não fosse suficiente a humilhação de pedir caridade a seu irmão, foi por este vexado, lhe sendo atribuído falsamente a qualidade de criminoso pela prática de apropriação indébita (Doc. 12/13), daquilo que lhe foi confiado para uso e trabalho, provocando a intervenção da polícia como se bandido fosse, tudo em razão dos atrasos nos pagamentos das prestações, o que, de certo, lhe levou a morte por desgosto” (fl. 28 �- grifos conforme original). Requerem o deferimento de exame de DNA, a ser realizado por meio de exumação nos restos mortais de A. de O., falecido em 22/2/1999, e de A. A. G. A., cujo óbito ocorreu no ano de 1997. Ao final, postulam a declaração, por sentença, da condição de co-herdeiros dos recorridos, a primeira recorrente, por ser meeira de A. de O. e, os demais, por ostentarem a qualidade de netos de A. A. G. A.

    Sentença (fls. 53/55): acolhendo parecer do MP, o i. Juiz indeferiu a inicial, na forma do art. 267, incs. I e IV, do CPC, ao entendimento de que, por ser o exercício do direito de filiação personalíssimo, não se revestem os recorrentes de legitimidade para ajuizar a ação.

    Acórdão (fls. 84/86): o TJ/RJ conferiu provimento, por maioria, com base em jurisprudência do STJ, ao apelo interposto pelos recorrentes, para anular a sentença e determinar o regular prosseguimento do processo.

    Contestação (fls. 93/106): em sede de preliminar, postularam os recorridos a extinção do processo, sem resolução do mérito, por carência da ação, considerado o entendimento de que é juridicamente impossível aos netos postular o reconhecimento da filiação em face do pretenso avô, faltando-lhes legitimidade de agir. Sustentam que os filhos de A. de O. afirmam que são netos de A. A. G. A. “movidos por aspectos meramente econômicos” (fl. 95), sem, contudo, qualquer prova de suas alegações, o que inviabilizaria a realização da prova pericial genética requerida.

    Despacho saneador (fl. 116): determinou a designação de A. I. J., momento em que rejeitou a preliminar por se tratar de matéria superada, porquanto decidida em grau de apelação.

    Manifestação dos recorrentes (fls. 117/118): ante a não apreciação do pedido de exumação dos restos mortais para colheita de elementos necessários à realização de exame de DNA, postularam a devolução de prazo.

    Decisão interlocutória (fl. 120): determinou a manifestação do MP e dos recorridos a respeito do pleito dos recorrentes.

    Agravo de instrumento (fls. 125/140): interposto pelos recorridos, contra a decisão que determinou a designação de A. I. J., ao entendimento de que o i. Juiz não analisou a preliminar de ilegitimidade de parte e impossibilidade jurídica do pedido, sendo que o acórdão proferido em apelação não lhes pode ser imposto, porquanto sequer tinham sido citados.

    Manifestação dos recorridos (fls.146/149): reiteram que, para que se efetive a exumação de dois cadáveres devem os recorrentes fazer alguma prova da suposta relação avoenga, sem o que não deve ser realizado o exame de DNA.

    Acórdão em agravo de instrumento (fls. 151/154): conferiu provimento ao recurso dos recorridos para anular a decisão agravada e determinar que seja apreciada a preliminar suscitada.

    Ministério Público (fls. 153/154): ao fundamento de que os herdeiros são expressamente legitimados a perseguirem o direito à filiação de ascendente não reconhecido em vida, nos termos do art. 1.609 do CC/02, opinou pelo prosseguimento do processo, cuja exumação pleiteada somente deverá ocorrer com a anuência expressa dos recorridos, acenando parar a possibilidade de que o aludido teste genético seja realizado entre as próprias partes.

    Decisão interlocutória (fls. 158/159): com base no acórdão que julgou o agravo de instrumento interposto pelos recorridos, passou o i. Juiz a analisar a preliminar de carência da ação por ilegitimidade ativa, desacolhendo-a, conforme parecer do MP.

    Agravo de instrumento (fls. 2/22): interposto pelos recorridos, com pedido posterior de concessão de efeito suspensivo (fls. 177/180).

    Decisão liminar (fl. 182): conferiu efeito suspensivo ao agravo de instrumento, para determinar que não seja realizada a prova pericial requerida até o julgamento final do recurso.

    Termo de audiência: à fl. 184.

    Contrarrazões ao agravo de instrumento: às fls. 188/193.

    Parecer do MP (fls. 198/201): pelo não provimento do recurso.

    Acórdão (fls. 204/210): por maioria, o TJ/RJ conferiu provimento ao agravo de instrumento, para julgar extinto o processo, ao fundamento de que, por se tratar de ação personalíssima, somente podendo ser proposta pelo próprio filho em face do pai, há impossibilidade jurídica do pedido.

    Embargos de declaração: interpostos pelos recorrentes (fls. 212/214), foram parcialmente acolhidos, tão-somente para sanar erro material (fls. 217/218).

    Recurso especial (fls. 221/232): interposto sob alegação de ofensa aos arts. , inc. I, 267, § 3º, do CPC; 75 e 363, do CC/16; 1.609 do CC/02; e 27 do ECA; além de dissídio jurisprudencial.

    Contrarrazões ao recurso especial: às fls. 295/315.

    Admissibilidade recursal: às fls. 321/322.

    Parecer do MPF (fls. 327/331): da lavra do i. Subprocurador-Geral da República, Durval Tadeu Guimarães, pelo provimento do recurso especial, para reconhecer a legitimidade ativa dos recorrentes.

    É o relatório.

    VOTO

    A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

    Versa a lide sobre a legitimidade dos netos para ajuizarem, em face dos sucessores de seu pretenso avô, ação declaratória de relação avoenga c.c. petição de herança, considerado o falecimento do pai, que não buscou em vida, perante o Poder Judiciário, o reconhecimento da filiação. I. Peculiaridade da lide.

    Particular questão reside no fato de que, ao lado dos filhos, que buscam o reconhecimento de vínculo genético com o falecido avô, também figura no pólo ativo da ação a mãe, M. S. de O., na qualidade de meeira do falecido cônjuge, A. de O., que, na hipótese de procedência final do pedido, poderá ser considerado herdeiro de A. A. G. A., porquanto no momento da abertura da sucessão deste, aquele ainda vivo estava (óbito de A. A. G. A.: 1997; óbito de A. de O.: 1999). Ressalte-se que o regime de bens adotado pelo casal, cujo casamento foi celebrado em 1976, foi o da comunhão universal, época em que esse era o regime legal.

    II. Do prequestionamento (arts. , I, do CPC; 75 do CC/16).

    Alegam os recorrentes que todo o cidadão tem direito de buscar a tutela jurisdicional, nos moldes do art. 75 do CC/16, sendo esta a razão de ter sido proposta ação declaratória, fundamentada no art. , inc. I, do CPC, e não investigatória de paternidade.

    A matéria jurídica versada nos arts. , I, do CPC, e 75 do CC/16, não foi apreciada pelo TJ/RJ no acórdão impugnado, o que impede a abertura do debate, no particular, ante o óbice da Súmula 211/STJ. III. Da violação ao art. 267, § 3º, do CPC, e do dissídio jurisprudencial concernente à temática contida no dispositivo legal.

    Aludem os recorrentes que ao reexaminar matéria já apreciada pelo próprio Juiz ou Órgão julgador, o TJ/RJ feriu a coisa julgada, porquanto foi reapreciado tema de direito já decidido.

    Para definir a questão pertinente à ocorrência ou não de preclusão, deve-se repassar a cronologia das decisões que hipoteticamente teriam tratado sobre o mesmo tema.

    Em grau de apelação foi afastada preliminar de carência da ação por ilegitimidade dos recorrentes para o ajuizamento da ação declaratória de relação avoenga, de modo que prosseguiu o i. Juiz, no julgamento do processo, proferindo despacho saneador em que deixou de analisar a dita preliminar. O TJ/RJ, em sequência, conferiu provimento a agravo de instrumento interposto pelos recorridos, para determinar ao i. Juiz que apreciasse a preliminar suscitada. De ambos os acórdãos, não há notícia de que tenham sido interpostos recursos próprios, para alegar a preclusão ou coisa julgada, o que não permite que, neste momento recursal, seja ela reconhecida.

    Dando-se seguimento ao andamento processual, novo agravo de instrumento foi interposto contra decisão interlocutória que, ao analisar a preliminar de ilegitimidade de parte, rejeitou-a. O TJ/RJ, então, ao examinar o novo agravo de instrumento, julgou extinto o processo, nos termos do art. 267, inc. VI, do CPC, acolhendo, por conseguinte, a tese de carência da ação. Esta é a questão posta para julgamento por meio deste recurso especial.

    Ultrapassada, dessa forma, a alegada preclusão da matéria jurídica concernente à legitimidade dos recorrentes, que se confunde com o próprio mérito recursal, passa-se ao exame da lide. IV. Da violação aos arts. 363, do CC/16; 1.609 do CC/02; 27 do ECA; e do dissídio jurisprudencial concernente à temática contida nos dispositivos legais.

    Sustentam os recorrentes que o TJ/RJ, ao julgar extinto o processo por carência da ação, ignorou a orientação do STJ, no sentido de considerar juridicamente possível e legítima a ação ajuizada pelos netos, em face do suposto avô, ou seus sucessores, com a pretensão de que seja declarada relação avoenga c.c. petição de herança, se já então falecido o pai, que em vida não pleiteou a investigação de sua origem paterna.

    Predominou, no acórdão impugnado, a tese que deu pela impossibilidade jurídica do pedido de investigação de paternidade contra avô não investigado, faltando aos netos, legitimidade para agir, pois não poderiam pleitear direito alheio em nome próprio, conduzindo à carência da ação.

    Os direitos da personalidade, entre eles o direito ao nome e ao conhecimento da origem genética são inalienáveis, vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e oponíveis erga omnes.

    Os netos, assim como os filhos, possuem direito de agir, próprio e personalíssimo, de pleitear declaratória de relação de parentesco em face do avô, ou dos herdeiros se pré-morto aquele, porque o direito ao nome, à identidade e à origem genética estão intimamente ligados ao conceito de dignidade da pessoa humana.

    O direito à busca da ancestralidade, tal como denominado por Alice de Souza Birchal (in A relação processual dos avós no direito de família: direito à busca da ancestralidade, convivência familiar e alimentos. Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil �- Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 43) é personalíssimo e, dessa forma, possui tutela jurídica integral e especial, nos moldes dos arts. e 226, da CF/88.

    Ao dispor o art. 1.591 do CC/02, no sentido de que “são parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras em relação de ascendentes e descendentes”, não estipula limitação para a regra, de modo que todas as pessoas oriundas de um tronco ancestral comum, sempre serão consideradas parentes entre si, por mais afastadas que estejam as gerações. Dessa forma, uma vez declarada a existência de relação de parentesco ascendente na linha reta a partir do segundo grau, esta gerará todos os efeitos que o parentesco em primeiro grau (filiação) faria nascer. O parentesco em linha reta, é infinito, tal como estruturado pelo CC/02 nos arts. 1.591 e 1.594, não se esgotando sequer com a morte, o que impõe a sua tutela pelo Direito.

    Assim sendo, a pretensão dos recorrentes no sentido de estabelecer, por meio de ação declaratória, a legitimidade e a certeza da existência de relação de parentesco com o avô, não caracteriza hipótese de impossibilidade jurídica do pedido. A questão deve ser analisada na origem, com a amplitude probatória que o processo impõe.

    A jurisprudência alemã já abordou o tema, adotando a solução ora defendida. Em julgado proferido em 31/1/1989 e publicado no periódico jurídico NJW (Neue Juristische Woche) 1989, 891, o Tribunal Constitucional Alemão (BVerfG) afirmou que “os direitos da personalidade (Art. 2 Par. e Art. 1º Par.1º da Constituição Alemã) contemplam o direito ao conhecimento da própria origem genética.”

    Em hipótese idêntica à presente, analisada pelo Tribunal Superior em Dresden (OLG Dresden) por ocasião de julgamento ocorrido em 14 de agosto de 1998 (autos n.º 22 WF 359/98), restou decidido que “em ação de investigação de paternidade podem os pais biológicos de um homem já falecido serem compelidos à colheita de sangue”.

    Essa linha de raciocínio deu origem à reforma legislativa que provocou a edição do § 372a do Código de Processo Civil Alemão (ZPO) em 17 de dezembro de 2008, abaixo transcrito (tradução livre):

    “§ 372ª Investigações para constatação da origem genética

    I.Desde que seja necessário para a constatação da origem genética, qualquer pessoa deve tolerar exames, em especial a coleta de amostra sanguínea, a não ser que o exame não possa ser exigido da pessoa examinada.

    Os §§ 386 a 390 são igualmente aplicáveis. Em caso de repetida e injustificada recusa ao exame médico, poderá ser utilizada a coação, em particular a condução forçada da pessoa a ser examinada.”

    Além do mais, não procede a alegada ausência de provas a obstar o pleito dos recorrentes, porque ao acolher a preliminar de carência da ação, o TJ/RJ não permitiu que a ação tivesse seguimento, sem o que, não há como produzir provas, porque não chegado o momento processual de fazê-lo.

    Sob a ótica da moderna concepção do Direito de Família, não se mostra adequado recusar aos netos o direito de buscarem, por meio de ação declaratória, a origem desconhecida. Se o pai não propôs ação investigatória quando em vida, a via do processo encontra-se aberta aos seus filhos, a possibilitar o reconhecimento da relação de parentesco pleiteada. Exigem-se, certamente, provas hábeis, que deverão ser produzidas ao longo do processo, mas não se pode despojar do solo adequado uma semente que apresenta probabilidades de germinar, lançando mão da negativa de acesso ao Judiciário, no terreno estéril da carência da ação.

    Negar aos netos o exercício de ação declaratória de sua respectiva linhagem significa, acima de tudo, negar-lhes a prestação jurisdicional. Se o filho não quis ou foi impedido de exercer o seu direito de filiação, não se há que proibir que seu descendente o exerça, sob pena de se estar negando ao neto o exercício de direito personalíssimo, ao nome, à ancestralidade.

    O pai, ao falecer sem investigar sua paternidade, deixou a certidão de nascimento de seus descendentes com o espaço destinado ao casal de avós paternos em branco, o que já se mostra suficiente para justificar a pretensão de que seja declarada a relação avoenga e, por consequência, o reconhecimento de toda a linha ancestral paterna, com reflexos no direito de herança.

    Considere-se, sobretudo, que a preservação da memória dos mortos não pode se sobrepor à tutela dos direitos dos vivos que, ao se depararem com inusitado vácuo no tronco ancestral paterno, vêm, perante o Poder Judiciário, deduzir pleito para que a linha ascendente lacunosa seja devidamente preenchida.

    Neste contexto, qualquer investigação sobre o parentesco na linha reta, que é infinita, e, também, na linha colateral, limitada ao quarto grau, é possível, porque o direito ao parentesco (natural ou civil) é direito da personalidade, e, consequentemente, sua pretensão é imprescritível, porque seu objetivo é uma declaração de estado. Ressalte-se que não o são os direitos patrimoniais e notadamente os sucessórios que derivam desses direitos personalíssimos. A obtenção dos efeitos patrimoniais dessa declaração de estado será, portanto, limitada às hipóteses em que não prescrita a pretensão sucessória.

    Deve, portanto, ser assegurado aos netos o direito de ver declarada a relação de parentesco com o avô, a ser buscada pelos meios processuais postos ao alcance de todos, sobrepondo-se a qualquer cláusula restritiva ao direito de personalidade.

    Por tudo isso, muito embora seja a investigação de paternidade personalíssima, nos termos do art. 363 do CC/16 (correspondência: art. 1.606 do CC/02), é perfeitamente admissível a ação declaratória para que diga o Judiciário se existe ou não relação material de parentesco com o suposto avô, ou ainda, outro parente, na linha reta, sem limitações, ou na colateral, limitada ao 4º grau.

    Ressalte-se que o art. 1.609, parágrafo único, do CC/02, ao dispor que o reconhecimento do filho pode ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendente, é expresso ao permitir que o avô reconheça a relação de parentesco em primeiro grau na linha reta com o filho que faleceu e, consequentemente, a relação de parentesco em segundo grau na linha reta com os netos.

    O art. 27 do ECA assegura o exercício do direito de filiação contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, o que vem a ampliar sobremaneira a possibilidade do reconhecimento de relações de parentesco.

    Os arts. 1.845 e 1.846, do CC/02, outorgam aos netos a qualidade de herdeiros necessários dos avós, resguardando-lhes o direito à legítima. É o direito de herança, além do mais, tutelado pelo art. , XXX, da CF/88.

    Em arremate, o art. 226, § 4º, da CF/88, reconhece como família monoparental a comunidade formada pelos pais e seus descendentes, o que alarga o conceito de filiação, porquanto não o limita aos filhos.

    Assim, as relações de família tal como reguladas pelo Direito, ao considerarem a possibilidade de reconhecimento amplo de parentesco na linha reta, ao outorgarem aos descendentes direitos sucessórios na qualidade de herdeiros necessários e resguardando-lhes a legítima e, por fim, ao reconhecerem como família monoparental a comunidade formada pelos pais e seus descendentes, inequivocamente movem-se no sentido de assegurar a possibilidade de que sejam declaradas relações de parentesco pelo Judiciário, para além das hipóteses de filiação.

    Por fim, dentre outros no mesmo sentido, colacione-se precedentes desta Corte que asseveram ser “legítima a pretensão dos netos em obter, mediante ação declaratória, o reconhecimento de relação avoenga e petição de herança, se já então falecido seu pai, que em vida não vindicara a investigação sobre a sua origem paterna” (AR 336/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 2ª Seção, DJ de 24/4/2006). Da mesma forma, “é juridicamente possível o pedido dos netos formulado contra o avô, os seus herdeiros deste, visando o reconhecimento judicial da relação avoenga” (REsp 604.154/RS, Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, DJ de 1º/7/2005).

    Ainda sobre o tema, embora em sentido mais abrangente, esta 3ª Turma reconheceu a possibilidade jurídica de pedido que buscava declarar relação de parentesco entre tios e sobrinhos, com pretensão de reflexos nas obrigações sucessórias (REsp 326.136/MG, de minha relatoria, DJ de 20/6/2005).

    Desse modo, considerada a jurisprudência do STJ no sentido de ampliar a possibilidade de reconhecimento de relações de parentesco, e desde que na origem seja conferida a amplitude probatória que a hipótese requer, há perfeita viabilidade jurídica do pleito deduzido pelos recorrentes, no sentido de verem reconhecida a relação avoenga, afastadas, de rigor, e, portanto, definitivamente, as preliminares de carência da ação por ilegitimidade de parte e impossibilidade jurídica do pedido, sustentadas exaustivamente pelos recorridos.

    Assinale-se, ao final, que, ainda que nada tenha sido mencionado no acórdão impugnado sobre a condição da primeira recorrente, mãe dos supostos netos, que aguarda possível meação do marido ante a pré-morte do avô dos seus filhos, segue mantida, quanto a ela, de igual modo, a legitimidade e a possibilidade jurídica do pedido, notadamente porque entendimento diverso redundaria em reformatio in pejus.

    Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para cassar o acórdão impugnado e determinar o prosseguimento da ação, nos moldes do devido processo legal.

    VOTO-VISTA

    O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:

    1.- Votei vencido na Sessão da E. 2º Seção, à qual propus afetar do Recurso Especial, a fim de verificar a confirmação ou, eventualmente, a alteração de orientação relativamente à tese, dada a composição atual da E. 2ª Seção. Reafirmou-se, contudo, a orientação anterior.

    Sustentei, na Sessão de julgamento, entretanto, entendimento divergente, pelos motivos que passo a consignar.

    2.- Assinalei haver precedentes de ambas as Turmas deste Tribunal, no sentido da admissibilidade do ajuizamento de Ação Declaratória da denominada relação jurídica avoenga.

    1º Precedente.- REsp 296-RS, 3ª T., 2.3.1990, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER - "PROCESSUAL CIVIL - INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - AÇÃO DECLARATÓRIA - RELAÇÃO AVOENGA Conquanto sabido ser a investigação de paternidade do art 363 do Código Civil ação personalíssima, admissível a ação declaratória para que diga o judiciário existir ou não a relação material de parentesco com o suposto avô que, como testemunha , firmou na certidão de nascimento dos autores a declaração de que fizera seu pai ser este, em verdade seu avô, caminho que lhes apontara o Supremo Tribunal Federal quando, excluídos do inventário, julgou o recurso que interpuseram. II - Recurso conhecido e provido" (Transcrição fls. 229/230) (Rel. Min. WALDEMAR ZWEITER, acompanhado pelos Mins. GUEIROS LEITE e NILSON NAVES, vencidos os Mins. CLÁUDIO DOS SANTOS e EDUARDO RIBEIRO).

    2º precedente.- 3ª T. - REsp 603885-RS, 3ª T., 3.2005, Rel. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO -"AÇÃO DOS NETOS PARA IDENTIFICAR A RELAÇÃO AVOENGA. PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA. I - Precedente da Terceira Turma reconheceu a possibilidade da ação declaratória" para que diga o judiciário existir ou não a relação material de parentesco com suposto avô "(RESP n. 269/RS, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, DJ de 07/05/1990). 2. Recursos especiais conhecidos e providos." (Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, acompanhado pelos Min. NANCY ANDRIGHI e CASTRO FILHO, ausentes, ocasionalmente, os Min. Antonio de Pádua ribeiro e Humberto Gomes de Barros)..

    3º Precedente.- REsp 604154-RS, Rel. HUMBERTO GOMES DE BARROS, 3ª T., j. 16.6.2005 - "RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. RELAÇÃO AVOENGA. RECONHECIMENTO JUDICIAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. - É juridicamente possível o pedido dos netos formulado contra o avô, ou seus herdeiros deste, visando ao reconhecimento judicial da relação avoenga. - Nenhum interpretação pode levar o texto legal ao absurdo (Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, acompanhado pelos Mins. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, NANCY ANDRIGHI e CASTRO FILHO).

    4º Precedente.- AR 336/RS, 2ª Seção, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJ 24.4.2006." Legítima a pretensão dos netos em obter, mediante ação declaratória, o reconhecimento de relação avoenga e petição de herança, se já então falecido seu pai, que em vida não vindicara a investigação sobre a sua origem paterna "(Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, acompanhado pelos Mins. JORGE SCARTEZZINI, CASTRO FILHO, BARROS MONTEIRO, HUMBERTO GOMES DE BARROS e CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, vencidos os Mins. CÉSAR ASFOR ROCHA e ARI PARGENDLER).

    3.- Ao sustentar a questão de ordem, na 3ª Turma, como acima assinalado, sugeri a afetação à C. 2ª Seção para reabrir a discussão sobre a matéria, sustentando divergência, data vênia, do cuidadoso voto da E. Ministra Relatora.

    A ação foi ajuizada em 1999, sob a vigência, portanto, do Código Civil de 1916, estando em causa os arts. 227, § 6º, da Constituição Federal, 363 do Cód. Civil de 1916 e 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei 8069, de 13.7.1990), dispositivos que dispõem da forma seguinte: CF, art. 227, § 6º -"Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação". CC/1916, art. 363 -"O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento dentro nos 4 (quatro anos que se seguirem a maioridade ou emancipação"ECA, art. 27 -"O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça"

    4.- Não via como amparar essa tese, no estágio atual da legislação brasileira, salientando que, se essa mesma sociedade a quisesse, poderia, com facilidade, pelos seus órgãos legiferantes, instituí-la por lei ordinária, fazendo desaparecer possíveis controvérsias interpretativas sobre a matéria.

    Repita-se: a matéria é apropriada à legislação ordinária, por intermédio do debate social e legislativo, não para a criação jurisprudencial, que invade, no caso, a atividade legislativa. A sociedade deve debater se é possível ao pretenso neto acionar diretamente ao avô, quando o falecido genitor não o tenha feito para reconhecimento da paternidade.

    5.- Com efeito, data venia dos argumentos em contrário, sob todos os ângulos que se examine, a tese revela-se inviável, em que pese o natural pendor pelo amparo à veracidade nas relações familiares, destacando-se as seguintes objeções a ela:

    a) Nunca houve válida discrepância na doutrina a respeito do caráter personalíssimo do alcance do art. 363 do Código Civil, o que, aliás, vem reafirmado pelo art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual, ao contrário da abertura que tantas vezes traz relativamente à lei civil comum, no caso novamente proclama, com todas as letras, o caráter personalíssimo da investigatória.

    No âmbito doutrinário, não há dúvida a respeito do amparo ao prosseguimento, pelo filho, da ação de investigação de paternidade iniciada pelo genitor, que, venha a falecer durante o processo:"O novo ordenamento jurídico, a Lei 10406/2002, em seu artigo 1609, parágrafo único, legitimou expressamente os herdeiros a prosseguirem o direito à filiação de ascendente não reconhecido em vida"(Parecer do Promotor de Justiça JOSÉ MÁRIO P. MARANDINO, apoiado pela Procuradora de Justiça ARILDA SANDRA DA SILVA NUNES, no Proc.

    - TJRJ, 16.2.2005, fls. 201), mas não há informação de vertente doutrinária de peso a dar suporte à investigação avoenga do neto, quando não intentada a ação de investigação de paternidade por seu genitor em vida.

    Vejam-se as exposições uníssonas dos mais acatados doutrinadores de Direito Civil: CARVALHO SANTOS ("Código Civil Brasileiro Interpretado", vol. V, 7a. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, p. 490); CLÓVIS BEVILÁQUA (" Cód. Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado ", vol. II, Rio de Janeiro, Ed. Livraria Francisco Alves, 1950, p. 339); MÁRIO AGUIAR MOURA ("Tratado Prático de filiação - Efeitos do Reconhecimento, 3º Vol., Rio de Janeiro, AIDE, 1987, p. 708); WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO ("Curso de Direito Civil, Direito de Família" - São Paulo, Ed. Saraiva, 29ª ed., 1992, p. 256).

    Na jurisprudência, até os julgados já lembrados deste Tribunal, sempre prevaleceu a impossibilidade, à interpretação de legislação absolutamente igual à ora vigente (RF 31/169, Trib. Relação de Minas Gerais, 9.1.1919; Supremo Tribunal Federal, 61/63; TJRJ, 1923 APEL 1987.005.04272: "A ação foi julgada procedente no 1º grau apenas em relação aos filhos, reconhecida a impossibilidade de ser intentada pelos netos. Embargos desprovidos");"Sustentam o agravados que o novo Código Civil teria passado a admitir tal ação, no parágrafo único do seu art. 1609, o que, data venia, não é fato. A redação do dispositivo é a seguinte: 'Art. 1609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I - no registro do nascimento; II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes'. Claramente se vê que regula o artigo o reconhecimento de filho, por seus pais, permitindo que o façam antes do seu nascimento ou posterior à sua morte. Morte de quem? É evidente, pela redação, que a do próprio filho, e não a do pai. Como trata o dispositivo, repita-se, pelo reconhecimento feito pelos próprios pais, ele apenas permite que o pai (ou a mãe) o façam mesmo após seu filho ter falecido. Não há como interpretar-se de outra forma o dispositivo, para estender-se aos netos o direito à propositura de ação de reconhecimento, uma vez que a lei não o concede. / Aliás, autorizar a lei a propositura da ação pelos netos seria absoluto desrespeito à memória daquele que, em vida, jamais quis propô-la, porque certamente, tinha razões para tanto. O simples interesse patrimonial dos netos não pode sobrepor-se à sua memória"(Apel.

    - TJRJ, 15ª Câm, m.v., Rel. Des. SÉRGIO LÚCIO DE OLIVEIRA E CRUZ, vencido o Des. GALDINO SIQUEIRA NETTO �- fls. 203/202, mantido em Ed. Fls. 217/218).

    Não procede, à luz da doutrina e da jurisprudência, a enfática e alargada afirmação do Recorrente de que"Como mostra o teor do primeiro julgado, não há e nunca houve uma restrição adverbial de impedimento que impossibilitasse a propositura de ações do gênero, tal qual ocorria nos artigos 315 parágrafo único; 317; 340; 344; 356; 388; 405; 428 e 429 do revogado Código Civil, ou seja,"só, somente, apenas, tão somente...". Ainda que ação de investigação de paternidade só seja permitida ao filho, não há qualquer ressalva de que só ele; somente ele; apenas ele; tão somente ele, possa fazê-lo"(fls. 231).

    b) Impossível investigar a ancestralidade do suposto avô sem investigar a paternidade deste no tocante ao pré-morto pai, que, no caso, veio a falecer já em idade mais que suficiente madura para ponderar se devia, ou não, mover ação de investigação de paternidade, havendo, pela omissão, efetivamente concluído em sentido contrário.

    A investigação, no caso, viria contra a própria intimidade do genitor, que não quis jamais a investigação da própria paternidade.

    c) Nos termos da letra anterior, a investigação significaria verdadeira "investigação de paternidade póstuma", relativamente ao genitor, quando este não utilizou da faculdade personalíssima em vida;

    d) Não consta de preceito legal nenhum, em matéria de Direito de Família, regido pelo caráter estrito da legalidade, que ao intérprete cumpre resguardar, pena de abrir, por interpretação extensiva não prescrita pela Lei, a cizânia em relações familiares que sempre se mostraram tranquilas na sociedade brasileira.

    e) Atente-se a que, firmada a tese, que a lei não escreveu, estava aberta a porta para a investigação ilimitada de relações ancestrais, não apenas as porventura existentes entre pretensos netos e supostos avós, mas também de outros antepassados -- porque, afinal de contas, não haveria razão para negar toda a consequencialidade do princípio ubi eadem ratio, ibi eadem dispositio -- podendo a investigação chegar, por mera conjectura, às lindes da bisbilhotice sobre a ancestralidade até mesmo histórica.

    f) A lei, ademais, tem a sua razão de ser, ao assegurar a investigação de paternidade e ao não amparar a investigação de ancestralidade, nem mesmo avoenga, bastando, para compreender a restrição, atentar a que, quando investigada a paternidade, o suposto genitor sabe muito bem com quem tenha mantido relações genésicas, de modo que habilitado a responder em Juízo, arcando com os ônus processuais, como as conseqüências, ainda que relativizadas, da revelia (CPC, art. 330), do dever de impugnação especificada de fatos (CPC, art. 302) e de produção de provas (CPC, art. 333) e confissão à ausência ao interrogatório na audiência (CPC, art. 343, § 1º).

    O avô, a exemplo de outros ancestrais, em regra desconhece as relações de intimidade mantidas pelo seu filho, de maneira que, em primeiro lugar, não pode recolher conseqüências, espargindo a cizânia e a busca hereditária, muitas vezes aventureira, a intranqüilizar-lhe a família, salvo se voluntariamente as deseje, quando possui instrumentos legais para o reconhecimento, e, em segundo não pode arcar com as conseqüências processuais acima salientadas -- ainda que mitigadas, repita-se, ante a natureza da lide atinente a família.

    g) Nenhuma outra legislação ou jurisprudência estrangeira próxima foi lembrada nestes autos, até o momento da vista do processo, nem foi possível encontrar sistema estrangeiro que ampare a tese do direito de pretenso neto, filho de genitor não reconhecido, ao reconhecimento de suposto avô, limitando-se o reconhecimento ao pai ou à mãe (pesquisas: Portugal, Cód. Civil, art. 1869; Espanha, Cód. Civil, art. 132; Itália, Cod. Civil, art. 286; Alemanha, BGB, par.1598a; França, Código Civil, art. 344; Suíça, Cód. Civil, art. 261; esclarecimentos informais: Inglaterra, Estados Unidos, Noruega e Canadá). Não se registrou nenhum sistema, nem mesmo os de notória maior liberalidade nas relações familiares, que autorize a investigação além de pai e mãe, de modo a atingir o reconhecimento da ancestralidade avoenga.

    A admissibilidade da pretensão ao reconhecimento de relação avoenga, como se vê, coloca o Brasil, em princípio até prova em contrário, isolado, com a pretensão a único passo certo no bloco cultural a que se filia, mesmo entre os sistemas mais liberais do mundo em matéria de Direito parental.

    h) Com todo o avanço na modernização e liberalidade de relações familiares e afetivas experimentado por essas legislações, a tanto não chegaram elas, não sendo difícil atinar-se com as razões pelas quais, a exemplo do recente Código Civil Brasileiro de 1002, não o fizeram.

    i) Se a tese fosse um reclamo da sociedade moderna, de modo a busca da ancestralidade prevalecer como direito da personalidade, sob suposto apoio nos arts. e 226, § 6º, da Constituição Federal de 1988, e art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069, de 13.7.1990), certamente teria ela sido amparada, expressamente, pelo novo Código Civil Brasileiro de 2002, posterior tanto à Constituição Federal como ao Estatuto da Criança e do Adolescente, de modo que, se não o foi, é porque a sociedade brasileira, por intermédio do legislador, não a quis, não sendo, portanto, razoável que se crie a tese por intermédio de tênue construção doutrinária, pinçando dispositivos esparsos, que não dizem o que se quer concluir.

    j) Não há como aceitar o desvio do objeto da ação, de investigatória para o eufemismo de meramente declaratória, com o fito de contornar a restrição, que recai sobre a primeira, às relações entre genitores e filhos.

    Em verdade, tal desvio de enfoque sabe mais a mero rodeio terminológico do que a realidade, seja pela natureza da pretensão, porque a relação de direito material é sempre a mesma, não autorizada pelo ordenamento jurídico, porque, sob o aparentemente ingênuo termo declaração, o que se atinge é a própria substância do parentesco, seja porque jamais se conseguirá mascarar o objetivo patrimonial que se esconde por trás da declaração -- o que, no caso, é, com sinceridade, apontado pelo autor na inicial.

    6.- Alguns argumentos, a meu ver restam irrespondíveis, expostos pelos Votos vencidos declarados em julgamentos anteriores.

    Com efeito, no julgamento do REsp 296-RS , 3ª T., 2.3.1990, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER, assim o E. Min. EDUARDO RIBEIRO votou, em termos, a meu ver, irrespondíveis:

    "Com a devida vênia, não me parece pertinente a invocação do art. 4º di Código de Processo Civil.

    "Na verdade, esse dispositivo da Lei Processual apenas consagra, em nosso direito, a admissibilidade em tese da ação simplesmente declaratória e o contrário não foi afirmado pelo acórdão recorrido. Ocorre que se aquela norma contempla a admissibilidade, em princípio, do pedido declaratório, será mister verificar concretamente, não só se existe o interesse de agir, numa situação determinada, mas também se presentes as demais condições da ação, entre elas a legitimidade para a causa.

    "O art. 363 do Código Civil, regula ação personalíssima, que não cabe mais que ao filho. A circunstância de poder ter prosseguimento com seu herdeiro não informa a regra. É necessário que aquele que se pretende filho tenha iniciado a ação. Isto feito, admite-se que seus herdeiros possam a ela dar seguimento. Nega-se que a iniciativa da ação possa caber a outro. Isto a meu ver, está claro no art. l 363 e é o que proclama a doutrina, de maneira uniforme. Nem me parece relevante a circunstância, salientada nos autos, de aquele artigo não excluir expressamente a legitimidade de outros para pleitear a declaração de paternidade. Esta fica excluída pelos próprios termos da lei. Para admiti-la seria necessário que de outra norma isso pudesse resultar, pena de ter-se como sem sentido o texto de exame.

    "Não se trata aqui de negar a prestação jurisdicional. Existe prestação jurisdicional também quando se afirma que falta ao autor uma das condições da ação."

    7.- Mantida a orientação anteriormente firmada, no sentido da admissibilidade da ação e, portanto, no caso, dando provimento ao Recurso Especial, passarei a seguir essa orientação em casos futuros, atento à prevalência da segurança jurídica na interpretação do Direito de regência, vencido, embora, no julgamento presente, em que negava provimento ao Recurso Especial.

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA: Sr. Presidente, ouvi com atenção o voto da Sr. Ministra Nancy Andrighi. De igual modo, a sustentação oral da doutora Mia Alessandra, a quem parabenizo pela determinação própria dos advogados vocacionados; é sempre prazeroso ouvi-los aqui nesta Corte.

    O homem não aparece. O homem nasce, o homem tem que ter origem. Não posso conceber que alguém possa ser qualificado como um ente desprovido de origem. Conhecer a sua origem, como bem colocado pela Sra. Ministra Nancy Andrighi, encontra-se plasmado pelo Estado como um direito fundamental. Aliás, o Estado democrático, o Brasil como uma República, como Estado democrático de direito, tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Não se pode ver, não se pode ter como digna aquela pessoa que nem sequer sabe a sua origem.

    Começo o meu voto dizendo que não podemos mais interpretar o Código Civil de 2002 sob os influxos do pensamento que influenciou o Código de 1916, elaborado no final do século XVIII. Não nos esqueçamos que o Código é de 1916, mas o seu embasamento doutrinário data da metade de 1850. O que era o Brasil de então? Um País rudimentar, um País eminentemente agrícola, dos senhores de engenho, dos senhores do café, da escravidão, onde os fazendeiros, os senhores abusavam de suas escravas, concebiam filhos e todo o interesse da burguesia era o de não permitir a investigação. É essa nobreza que influenciou o pensamento vigente na elaboração do Código Civil de 1916.

    O novel Código Civil tem um artigo que apresento para reflexão. Refiro-me ao art. 1.696, que diz:

    " O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes (extensivo, repito, a todos os ascendentes), recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. "

    É de se indagar como fica aquele menor carente, cujo pai, seja por orgulho, seja por constrangimento, não promoveu a ação de investigação de paternidade, vindo a falecer, e o menor encontra-se desprovido de recursos para o seu sustento? Vamos impedi-lo de acionar o seu avô? Vamos, então, interpretar o art. 1.696, que garante um direito fundamental a esse menor, de modo a negá-lo?

    Penso que os dispositivos das normas infraconstitucionais hão de se subsumir aos princípios das normas e regras estabelecidas na lei fundamental. E, quando examinamos o texto constitucional, verificamos que a Constituição Federal, no art. 227, § 6º, bem diz:

    " Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. "

    Assegura-se aos filhos, e não aos descendentes dos filhos? Iríamos encurtar a abrangência do texto constitucional? Estaríamos aqui interpretando em harmonia com os princípios que plasmam a Constituição, ou seja, de fazer prevalecer os direitos fundamentais, sobretudo os direitos materiais e econômicos?

    Diga-se: pode haver - talvez haja - uma pretensão patrimonial na investigação ou na declaração ora pleiteada? De outro modo, há também uma pretensão patrimonial que move a resistência de quem reluta em não conhecer ou não permitir o conhecimento sobre a verdade da origem de outro ser?

    Admita-se que o homem é movido, desde seu nascimento, desde a sua concepção como ser, por interesses patrimoniais �- ora mesquinhos, ora legítimos �-, mas esses interesses não podem ser colocados à frente do interesse maior, que é o da dignidade humana.

    No caso, perplexa está a recorrida, bem dito pela sua brilhante advogada, de que possa submeter os restos mortais do avô a uma exumação.

    Sou católico, como a grande maioria do povo brasileiro, sou cristão, mas esse argumento não me sensibiliza como não sensibiliza quando, após o sepultamento, decorridos três, quatro, cinco anos, as ossadas são recolhidas e colocadas em um saco, saco este posto em um canto da sepultura para que outro corpo, no futuro, possa ocupar aquele espaço. E não enxergamos, nesse ato, nenhuma violação da sepultura, nenhuma violação dos restos mortais. Aliás, a fé católica que me move, sempre diz que há algo maior do que aquela matéria que tende a se reduzir a pó. Há almas de milhões de pessoas e de milhões de carentes que têm interesse no esclarecimento da verdade.

    Avançou a nobre advogada para a questão da prova, embora impertinente, ainda neste julgamento, porquanto posta em discussão apenas a questão da legitimidade. Indago e aqui me preocupo, pelos julgados que tenho lido, de que, não existindo nenhuma outra prova, não se deve permitir nem o exame de DNA. Como é que vamos explicar aquele caso famoso ocorrido no Brasil, na década de 60, em que um famoso jogador de futebol mantinha relações sexuais, na calada da noite, com as pessoas mais humildes, com as camareiras, com as domésticas e, dessas relações, por vezes, era concebido um novo ser. E como esse ser há de provar a sua origem? Porque, na calada da noite, não há outra prova, não há testemunhas, não há registros, não há fotografias, não há boletim. E, diante disso, a restauração da dignidade humana daquela pessoa será inviabilizada porque dependeria da pretensão dita exacerbada, porque avança sobre um simples DNA, que se extrai de uma saliva, de um fio de cabelo, ou de um pequeno, minúsculo pedaço da ossada da pessoa.

    Por que exageramos tanto na preservação de valores que só avultam importância quando questionados diante de interesses outros, como os daqueles geralmente mais carentes, dos que propõem a investigação? Não vejo mal nenhum, com a devida vênia das posições em contrário.

    Mas, Sr. Ministro Sidnei Beneti, ouvi com atenção quando V. Exa. expôs que a legislação poderia ter estabelecido ou previsto isso expressamente. Mas o ECA teve uma preocupação com a busca da filiação. O Código Civil de 2002, que tramitou por tantos anos no Congresso Nacional, ainda contém os influxos do Código Civil de 1916. Inegavelmente, não podemos ver ainda, no Direito de Família, como não podemos ver no Direito Sucessório, grandes avanços no Código Civil. Os avanços estão na legislação extravagante, que subsiste à própria entrada em vigor do Código.

    Eu diria a V. Exa. que o Brasil não está isolado neste caso. A construção pretoriana que aqui V. Exa. entende fazer, considero que decorre de uma lacuna do sistema e que há de ser preenchida por uma interpretação integrativa. Quando V. Exa. aprecia o § 6º do art. 227 da Constituição Federal, quando V. Exa. lê o Código Civil, que diz que se asseguram alimentos inclusive aos ascendentes, os mais próximos, e, na ausência, os posteriores, o sistema jurídico deixa um espaço a ser preenchido pelo intérprete, e por que não dizer por aquele que aplica diuturnamente a legislação, o Poder Judiciário? Eu diria que o Brasil não está isolado, eu diria que o Brasil está na frente, como sempre esteve. A partir do final da década de setenta até nossos dias, o Brasil está na frente, porque seu legislador fora muito menos hipócrita que o americano, que o europeu e, por que não dizer que até o asiático?

    Pedindo vênia a V. Exa. pelo brilhante voto, acompanho outro eminente e brilhante voto, o da Sra. Ministra Nancy Andrighi, mas esse é o meu entender sobre a questão.

    Dou provimento ao recurso especial, cassando o acórdão impugnado e determinando o prosseguimento da ação nos moldes do devido processo legal.

    É como voto.

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator): Sr. Presidente, em primeiro lugar cumprimento a Dra. Advogada, que realizou excelente sustentação. Também cumprimento os percucientes votos, tanto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, Relatora, como também do Sr. Ministro Sidnei Beneti, agora complementado com o pronunciamento do Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

    No meu modo de ver, a questão, como foi explicitada pela Relatora, diz respeito única e exclusivamente à possibilidade jurídica do pedido e a adequação, examinados pelo ângulo das condições da ação.

    Nesse passo, trago a posição do Professor Humberto Theodoro, invocando Allorio:

    “Predomina na doutrina o exame da possibilidade jurídica sob o ângulo de adequação do pedido ao direito material a que eventualmente correspondente a pretensão do autor. Juridicamente impossível seria, assim, o pedido que não encontrasse amparo no direito material positivo. Allorio, no entanto, demonstrou o equívoco desse posicionamento, pois o cotejo do pedido com direito material só pode levar a uma solução de mérito, ou seja, à sua improcedência, caso conflite com o ordenamento jurídico, ainda que a pretensão, prima facie, se revele temerária ou absurda. Diante dessa aguda objeção, impõe-se restringir a possibilidade jurídica do pedido no aspecto processual, pois só assim estaremos diante de uma verdadeira condição da ação como requisito prévio da admissibilidade do exame da questão de mérito.” (Curso de Direito Processual Civil, vol.I, 47ª edição, 2007, p.64/65).

    Também Nelson Nery Júnior é preciso:

    “O pedido é juridicamente possível quando o ordenamento não o proíbe expressamente. Deve entender-se o termo “pedido” não em seu sentido estrito de mérito, pretensão, mas conjugado com a causa de pedir.” (JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 10ª edição, 2007, p.504).

    Ora, se assim é, ouvindo com atenção a eminente Ministra Nancy Andrighi, fiquei aqui me perguntando onde, na legislação, no Código Civil, na lei processual, há impossibilidade de se ingressar com a demanda para se reconhecer a relação avoenga? Não há, em nenhuma letra dos dispositivos invocados, vedação.

    Por outro lado - ainda que assim não fosse, mas esse é o meu entendimento pessoal -, foi aqui mencionado a existência de um precedente da Corte, e isso não pode ser colocado de lado. E eu verifiquei o precedente, REsp nº 604.154, Relator o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, que diz que" é juridicamente possível o pedido dos netos formulados contra o avô aos seus herdeiros, desde que visando o reconhecimento judicial da relação avoenga ".

    Mas não é suficiente esse precedente, porque ainda houve uma Ação Rescisória, de nº 336, Relator o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, em que S. Exa., em acórdão de 2005, disse:

    " Legítima a pretensão dos netos em obter, mediante ação declaratória, o reconhecimento de relação avoenga e petição de herança, se já é então falecido seu pai, que, em vida, não vindicara a investigação sobre a sua origem paterna ".

    Com a devida vênia, ainda que meu entendimento fosse outro, já que a Seção se manifestou em ação rescisória, em julgado recente, de 2005, vigente o novo Código Civil, não vejo outra possibilidade de não seguirmos os precedentes, sob pena de criarmos uma grande instabilidade da jurisprudência.

    Com base nesses dois fundamentos, peço vênia ao Sr. Ministro Sidnei Beneti para, somado aos argumentos relevantíssimos trazidos, com tanta sensibilidade pela eminente Relatora, acompanhar integralmente o voto de S. Exa., dando provimento ao recurso especial.

    VOTO

    O SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS): Senhor Presidente, depois de termos ouvido tão doutas manifestações, inicialmente, da douta Advogada, posteriormente, da nobre Relatora, que, como sempre, esmera-se em seus votos, trazendo subsídios valiosíssimos para o desate da questão; depois de termos ouvido a posição do eminente Ministro Sidnei Beneti, divergindo da douta Relatora, e ainda os dois Srs. Ministros que se sucederam, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha e, agora, o Sr. Ministro Luiz Felipe Salomão, realmente a matéria está posta, de forma que todos os ângulos e princípios já foram enfocados. Teria pouco a acrescentar, a não ser tomar uma posição em um sentido ou outro.

    Senhor Presidente, eu me atreveria a divergir dos Colegas, que me antecederam, na linha da eminente Relatora, e acompanhar o voto do eminente Ministro Sidnei Beneti.

    Quando o processo esteve na Turma, eu já havia bosquejado um projeto de voto, que faz eco às posições do Sr. Ministro Sidnei Beneti:

    " d) Nos termos da letra anterior, a investigação significaria verdadeira "investigação de paternidade póstuma", relativamente ao genitor, quando este não utilizou da faculdade personalíssima em vida;

    e) A pretensão consta de preceito legal nenhum, em matéria de Direito de Família, regido pelo caráter estrito da legalidade, que ao intérprete cumpre resguardar, pena de abrir, por interpretação extensiva não prescrita pela Lei, a cizânia em relações familiares que sempre se mostraram tranquilas na sociedade brasileira.

    f) Atente-se que, firmada a tese, que a lei não escreveu, estaria aberta a porta para a investigação ilimitada de relações ancestrais, não apenas as porventura existentes entre pretensos netos e supostos avós, mas também de outros antepassados -- porque, afinal de contas, não haveria razão para negar toda a consequencialidade do princípio ubi eadem ratio, ibi eadem dispositio -- podendo a investigação chegar, por mera conjectura, às lindes da bisbilhotice sobre a ancestralidade até mesmo histórica".

    Também me valho de uma posição, que me parece interessante, do Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha, quando de julgamento anterior:

    "Com a devida vênia, penso que não poderia ser de outra forma. Na verdade, a Lei, ao estabelecer que a ação é personalíssima, pelo art. 363 do antigo Código Civil, que está de alguma sorte, reproduzido no art. 1.614 do Código Civil de 2002, pretende, com isso, pacificar as relações familiares.

    Vejam V. Exas, admitamos que o neto possa contestar a filiação do seu pai; então, o bisneto poderá, também, contestar a filiação do seu avô, e o tataraneto poderá contestar a filiação do seu tataravô. Imaginem as posições contraditórias: alguns quererão ser netos de B, outros de A.

    A Lei, quando diz que a relarão é personalíssima, quer, na verdade que somente a pessoa possa dizer quem seja o seu pai; ninguém pode questionar isso e, se puder contestar depois de sua morte, também poderia ainda em vida. Se os netos pudessem contestar, outros familiares também poderiam". (AR 336/RS).

    Para concluir, trago mais dois tópicos, importantes, dos vários que o Sr. Ministro Presidente trouxe à colação, à consideração dos Colegas. Um deles, que é o problema legalista do Direito de Família. Parece-me fundamental esse aspecto. O Direito de Família, mais do que qualquer outro, está regido pelo caráter estrito da legalidade, que, ao intérprete cumpre resguardar, sob pena de abrir, por interpretação extensiva não prescrita pela lei, a cizânia em relações familiares, que sempre se mostraram tranquilas na sociedade brasileira.

    É lógico que, como disseram os Colegas, não estamos proibidos de interpretar a lei; porém, entendo que essa interpretação, em matéria de Família, deve ser muito restrita. O que não seria, como a que está sendo vitoriosa neste momento, neste douto plenário.

    Finalmente, entendo que é procedente a colocação, não obstante esse elemento trazido há pouco pela eminente Relatora, de que, no Direito Comparado, não vemos legislações que amparem uma pretensão semelhante à nossa. Não que os outros sejam mais capazes ou nós menos capazes, Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Mas, afinal, o Direito Comparado europeu, o Direito Comparado do exterior sempre é um precioso subsídio.

    Seja como for, o Direito Comparado também não ostenta essa visão, pelo menos nos dados trazidos há pouco e, por isso, é mais um subsídio para o posicionamento que ora pretendo ostentar, votar e defender, acompanhando, então, com a devida vênia, o eminente Ministro Sidnei Beneti, negando provimento ao recurso especial.

    Sr. Presidente, esse é, portanto, o meu voto.

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) (Relator): Sr. Presidente, não tenho a menor dúvida em acompanhar o voto da eminente Ministra Nancy Andrighi e dos eminentes Colegas que a acompanharam, mas me preocupa, sobremaneira, a extensão que S. Exa. dá ao final de seu voto.

    Toda a fundamentação trazida a este julgamento fala em termos de ancestralidade, de direito personalíssimo da origem. Vejo que estender esse direito também à mãe dos supostos netos seria uma extensão muito ampla, que foge a toda fundamentação discutida nesta Seção.

    Pedindo vênia a eminente Ministra Nancy Andrighi, apenas com referência a esse tópico, com o qual manifesto a minha discordância, acompanho o voto, no que diz respeito aos demais fundamentos.

    Dou provimento ao recurso especial em menor extensão.

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