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25 de Abril de 2024
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    Artigo - Questões práticas sobre a repercussão da EC nº 66/2010 nos processos em andamento - Por Arnoldo Camanho de Assis

    Como é do conhecimento comum, a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 66, em 13 de julho de 2010, o § 6º, do art. 226, da Constituição da República, passou a ter a seguinte redação: "o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio". O confronto desse novo dispositivo constitucional com o antigo - onde se lia que "o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos" - evidencia que a nova ordem constitucional não apenas suprimiu o instituto da "separação judicial", mas, além disso, extinguiu a necessidade de fluência de prazo para o pedido de divórcio. Trata-se de norma constitucional de eficácia plena, que, exatamente por isso, torna desnecessária a edição de qualquer ato normativo de categoria infraconstitucional para que possa produzir efeitos imediatos.

    Exatamente por isso, a modificação do texto constitucional repercute direta e imediatamente nos processos de separação judicial em curso, além de refletir nos modos pelos quais pode ser obtido o divórcio, na possibilidade, ou não, de se discutir culpa nos processos de divórcio, na utilidade para a medida cautelar de separação de corpos, entre outros temas. Há, ainda, verdadeira perplexidade acerca do que fazer em cada uma dessas situações, com que certamente haverão de se deparar os operadores do Direito Processual - Advogados, membros do Ministério Público e Juízes. A título de mera colaboração, seguem algumas das questões que foram objeto de acalorado - e desde já antológico - debate de que tomaram parte eminentes integrantes da Magistratura do Distrito Federal, realizado na manhã do dia 20 de julho de 2010.

    1) Como pode ser obtido o divórcio, depois da EC nº 66/10?

    R.: Por três caminhos: i) o divórcio consensual; ii) o divórcio litigioso; e iii) o divórcio extrajudicial. Em nenhum dos três casos, relembre-se, caberá discussão acerca de culpa ou prazo.

    Procedimento do divórcio consensual ¿ o previsto nos arts. 1.120 a 1.124, do CPC, como quer o art. 40, da Lei nº 6.515/77, excluindo-se os incisos I (comprovação da separação de fato) e III (produção de prova testemunhal). Parece desnecessário, em termos práticos, realizar audiência de ratificação, sobretudo e especialmente pela concreta desnecessidade de, nela, produzir-se prova testemunhal para fins de comprovar a fluência do prazo.

    Procedimento do divórcio litigioso ¿ o procedimento comum ordinário, nos termos do § 3º, do art. 40, da Lei nº 6.515/77. As provas a serem produzidas, entretanto, ficarão restritas às seguintes questões: cabimento e quantum da pensão de alimentos; quem deve exercer a guarda unilateral dos filhos, se a guarda compartilhada não consultar o superior interesse dos menores; existência e partilha dos bens comuns. Neste último caso, os cônjuges podem optar pelo procedimento autônomo de partilha, após o divórcio (art. 1.581 do Código Civil).

    Procedimento do divórcio extrajudicial ¿ o art. 1.124-A, acrescentado pela Lei 11.441, de 2007, relativo ao divórcio consensual, permanece íntegro, exceto quanto à alusão à separação consensual.

    2) Quando é que deve ser utilizada a via do divórcio litigioso?

    R.: O divórcio litigioso haverá de ser utilizado quando as vontades do casal forem divergentes acerca da dissolução do casamento e, além disso, quando, mesmo quando convergentes, não houver acordo quanto ao uso do nome, à guarda dos filhos, ao regime de visitas, à pensão de alimentos, à partilha do patrimônio. Segundo Paulo Luiz Netto Lobo, "o direito brasileiro atual está a demonstrar que a culpa na separação conjugal gradativamente perdeu as consequências jurídicas que provocava: a guarda dos filhos não pode mais ser negada ao culpado pela separação, pois o melhor interesse deles é quem dita a escolha judicial; a partilha dos bens independe da culpa de qualquer dos cônjuges; os alimentos devidos aos filhos não são calculados em razão da culpa de seus pais e até mesmo o cônjuge culpado tem direito a alimentos 'indispensáveis à subsistência'" (disponível na internet - http://www.ibdfam.org.br/?artigos

    3) Ainda há utilidade para a providência cautelar de separação de corpos (art. 888, inciso VI, do CPC)?

    R.: Sim, desde que a medida postulada se preste à evitar a causação de violência contra o outro cônjuge ou contra os filhos. A separação de corpos deixou de ter utilidade para permitir a saída "autorizada" de um dos cônjuges (que era utilizada para evitar a configuração de quebra dos deveres do casamento) ou para viabilizar o termo inicial do prazo para a conversão em divórcio.

    4) O que fazer com os processos de separação judicial, litigiosa ou consensual, em tramitação?

    R.: Há vozes a sustentar que, com a extinção da separação judicial, os processos que tenham esse objetivo devam ser igualmente extintos, por perda superveniente do seu objeto (art. 267, inciso VI, do CPC). Todavia, o princípio da razoabilidade permite ao juiz condutor do feito que conceda às partes (no procedimento litigioso) ou aos interessados (no procedimento de jurisdição voluntária) prazo que adaptem seu pedido, postulando o divórcio no lugar da separação. Nesse caso, não seria jurídico impor às partes a restrição constante do art. 264, do CPC, sobretudo porque não se trata de inovação do pedido no curso do processo, em eventual desrespeito ao princípio da boa-fé objetiva. Cuida-se, a rigor, de supressão da base normativa que conferia sustentação jurídica ao pedido formulado, sendo necessário adaptar o pedido à nova ordem jurídico-constitucional a fim de que se dê ao processo máxima efetividade.

    5) O que deve fazer, o juiz, se, concedido prazo para a adaptação do pedido nos processos de separação em curso, as partes permanecerem inertes?

    R.: Nesse caso, a única solução viável será a extinção do processo, por impossibilidade jurídica do pedido (art. 267, inciso VI, do CPC). Destaque-se que não é possível "dar por adaptado" o pedido, automaticamente, porque quem formula o pedido é a parte, cabendo ao Juiz, apenas, aferir a relação de compatibilidade entre o pedido formulado e o ordenamento jurídico. A Constituição, ao suprimir o instituto da separação judicial, não disse estarem automaticamente convertidos em divórcio os pedidos de separação judicial feitos antes de a EC nº 66/10 entrar em vigor, nem há permissão, no sistema processual civil, para uma tal "conversão automática", que possa eventualmente ocorrer à revelia da vontade das partes.

    6) A extinção do requisito subjetivo para a separação judicial significa que a culpa deixará de ser apreciada nas questões relativas ao casamento?

    R.: Não. A culpa pode ser apreciada nos processos que objetivem, por exemplo, a anulação do casamento, para se aferir a ocorrência de possível vício de vontade de algum dos contraentes (a coação e o erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge). Vale lembrar que a definição da culpa de um dos cônjuges pela anulação do casamento leva à perda das vantagens havidas do cônjuge inocente e ao cumprimento das promessas feitas no pacto antenupcial (art. 1.564 do Código Civil). Além disso, é possível admitir a discussão sobre a culpa nas hipóteses de alimentos e uso do nome (conferir, em complementação, a resposta à questão nº 2, supra).

    Este estudo não teve outro propósito que não o de fomentar o debate sobre questões de ordem eminentemente prática, do diaadia da atividade judiciária, acerca da nova realidade introduzida pela EC nº 66/2010. O tempo, a experiência e a sabedoria dos doutos culminarão por ditar, como sempre, o caminho a ser trilhado.

    Autor: Arnoldo Camanho de Assis é Desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Especialista em Direito Público (UnB) e em Direito do Consumo (Universidade de Coimbra). Professor de Direito Processual Civil na ATAME, na Escola da Magistratura do Distrito Federal e no Instituto Brasiliense de Direito Público-IDP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Presidente do IBDFAM-DF.

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